31 de mai. de 2013

DIGNIDADE E JUSTIÇA, UMA FARSA

.

.
 [ PEDRO LUSO DE CARVALHO ]


É, inegavelmente, uma aventura viver-se num país subdesenvolvido, ou em desenvolvimento - como gostam de dizer os economistas - nos quais estão incluídos, não apenas o Brasil, mas também todos os demais países das três Américas, excetuado-se apenas os Estados Unidos e o Canadá. Nestes dois países, vive-se com dignidade, não apenas pelo poder aquisitivo que têm, cada um deles, mas também pela correta aplicação de suas leis.

No Brasil, um desses países pobres, o que se tem para dizer sobre dignidade e aplicação correta de nossas leis? Muito se tem para dizer, mas o que for dito não terá o condão de alterar a falta de dignidade de políticos, magistrados, promotores de justiça, funcionários públicos do alto escalão, etc. É verdade que, também nesses casos, não se pode generalizar, pois é sabido que, em qualquer parte do mundo, ainda resistem os idealistas - e aqui não é diferente. Será mera redundância, por outro lado, dizer-se que, no Brasil, as leis existem apenas para punir as pessoas pobres.

Como falei em idealismo, transcrevo mais um Mandamento de Eduardo Couture, esse processualista que foi um exemplo de dignidade, e que é motivo de orgulho não apenas para os uruguaios, mas também para todos os advogados que pregam a aplicação das leis para todos os cidadãos, independentemente de raça e condição social; daqueles que querem ver um dia o Brasil transformar-se num país descente, distante deste mar de corrupção que afoga a maioria da população, sem que haja justiça com a aplicação das leis já existentes. E, quem negará que o Brasil é um país de corruptos?

Eduardo Couture diz, no preâmbulo de seu 8º Mandamento, do seu importante livro Os Mandamentos do Advogado: “Tem fé no direito como o melhor instrumento para a convivência humana; na justiça como destino normal do direito; na paz como substitutivo benevolente da justiça; e, sobretudo, tem fé na liberdade, sem a qual não há direito, nem justiça, nem paz”. Após esse excelente introito, a seguir transcrevo o conteúdo integral do referido mandamento:

“Cada advogado, em sua condição de homem, pode ter a fé que sua consciência lhe indique. Porém, em sua condição de advogado, deve ter fé no direito, porque até agora o homem não encontrou, em sua longa e comovente aventura sobre a terra, nenhum instrumento que melhor lhe assegure a convivência. A razão do mais forte não é somente a lei da brutalidade, mas também a lei da angustiante incerteza.

Mas o direito, como vimos, não é um valor em si mesmo, nem a justiça é seu conteúdo necessário. O preceito não visa à justiça, mas à ordem; a transação não assegura a justiça, mas a paz; a coisa julgada não é um instrumento de justiça, mas de autoridade; a pena nem sempre é medida pela justiça, mas de segurança.

Mesmo assim, apesar desses desvios temporais, a justiça é o conteúdo normal do direito, e suas soluções, ainda que aparentemente injustas, são freqüentemente mais justas que as soluções contrárias.

A fé na paz provém da convicção de que também a paz é um valor na ordem humana. Substituto bondoso da justiça, convida a renunciar às vezes a uma parte dos bens, para assegurar aquilo que foi prometido na terra aos homens de boa vontade.

Quanto à fé na liberdade, sem a qual não há direito, nem justiça, nem paz..., essa não necessita explicações, entre os mandamentos do advogado. Se este não tem fé na liberdade, melhor seria, como diz a Escritura, atar uma pedra ao pescoço e lançar-se ao mar”.




REFERÊNCIA:
COUTURE, Eduardo. Os Mandamentos do Advogado. Tradução de Ovídio Baptista da Silva e Carlos Otávio Athayde. Sérgio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1979, p. 63-64.



*  *  *