30 de ago. de 2011

ARRAS – Rescisão de Promessa de Compra e Venda




                   por Pedro Luso de Carvalho

         
        As partes que assinaram contrato de promessa de compra e venda, com arras, estiveram envolvidos em demanda judicial em razão do anadimplemento por parte do comprador do imóvel, fato que ensejou o pedido de rescisão contratual, pelo vendedor do bem . Fez parte do pedido, contido na petição inicial, a retenção pelo vendedor da quantia recebida como prestações, a título de indenização pelas despesas que teve de suportar em razão da falta de cumprimento do que ficou avençado, no referido contrato.

        A decisão que segue, acordada pelos Ministros das Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, enfrentou as questões relacionadas com a mencionada retenção, bem como com o percentual de retenção que, nesse caso, não se incluem as arras, pagas por ocasião do fechamento do negócio, já que estas são integralmente perdidas pelo comprador, que deu causa à rescição, à vista de sua natureza indenizatória.

        Segue, pois, na íntegra, o acórdão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, por seus Ministros, julgou o o Recurso Especial nº 1.224.921 - PR (2010/0218575-7) (f), em 26 de abril de 2011: 

        RECURSO ESPECIAL Nº 1.224.921 - PR (2010/0218575-7) (f) - RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI - RECORRENTE : PROCONSULT - PROJETO CONSULTORIA E CONSTRUÇÃO LTDA - ADVOGADO : ROBSON JOSÉ EVANGELISTA E OUTRO(S) - RECORRIDO : OLINDA CHAMPOSKI DUARTE E OUTROS - ADVOGADO : LIDICE MARGOT VIE.

        EMENTA - DIREITO CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO. INADIMPLÊNCIA DO COMPRADOR. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. CABIMENTO. RETENÇÃO DE PARTE DOS VALORES PELO VENDEDOR. INDENIZAÇÃO PELOS PREJUÍZOS SUPORTADOS. CABIMENTO. ARRAS. SEPARAÇÃO.
       1. A rescisão de um contrato exige que se promova o retorno das partes ao status quo ante, sendo certo que, no âmbito dos contratos de promessa de compra e venda de imóvel, em caso de rescisão motivada por inadimplência do comprador, a jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de admitir a retenção, pelo vendedor, de parte das prestações pagas, como forma de indenizá-lo pelos prejuízos suportados, notadamente as despesas administrativas havidas com a divulgação, comercialização e corretagem, o pagamento de tributos e taxas incidentes sobre o imóvel e a eventual utilização do bem pelo comprador.
        2. O percentual de retenção – fixado por esta Corte entre 10% e 25% – deve ser arbitrado conforme as circunstâncias de cada caso.
       3. Nesse percentual não se incluem as arras, pagas por ocasião do fechamento do negócio e que, nos termos do art. 418 do CC/02 (art. 1.097 do CC/16), são integralmente perdidas por aquele que der causa à rescisão.
       4. As arras possuem natureza indenizatória, servindo para compensar em parte os prejuízos suportados, de modo que também devem ser levadas em consideração ao se fixar o percentual de retenção sobre os valores pagos pelo comprador.
       5. Recurso especial a que se nega provimento.

        ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Vasco Della Giustina votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília (DF), 26 de abril de 2011(Data do Julgamento) - MINISTRA NANCY ANDRIGHI - Relatora.

      RECURSO ESPECIAL Nº 1.224.921 - PR (2010/0218575-7) (f) - RECORRENTE : PROCONSULT - PROJETO CONSULTORIA E CONSTRUÇÃO LTDA - ADVOGADO : ROBSON JOSÉ EVANGELISTA E OUTRO(S) - RECORRIDO : OLINDA CHAMPOSKI DUARTE E OUTROS - ADVOGADO : LIDICE MARGOT VIE.

        RELATÓRIO - A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por PROCONSULT – PROJETO, CONSULTORIA E CONSTRUÇÃO LTDA., com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da CF/88, contra acórdão proferido pelo TJ/PR. Ação: de rescisão contratual cumulada com indenização por perdas e danos, ajuizada por OLINDA CHAMPOSKI DUARTE e GILBERTO ROSSI DUARTE em desfavor da recorrente. Em 12.06.2000 as partes celebraram contrato de promessa de compra e venda de terreno, com preço a ser pago em 60 prestações mensais e consecutivas. Pagas 31 parcelas, os recorridos tornaram-se inadimplentes, imputando à recorrente a prática de diversas supostas ilegalidades que teriam dado causa ao descumprimento do contrato. Sentença: julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, apenas para: (i) autorizar a transferência do bem independentemente da anuência da recorrente; (ii) determinar a incidência de juros sobre as parcelas a serem devolvidas em caso de rescisão do contrato; e (iii) reduzir a multa moratória para 2% (fls. 431/441).

        Acórdão: o TJ/PR deu parcial provimento à apelação da recorrente, nos termos do acórdão (fls. 480/484), assim ementado: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTATO C/C INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS – INADIMPLÊNCIA DOS COMPRADORES – RESCISÃO QUE SE IMPÕE – RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS – CLÁUSULA PENAL – FIXAÇÃO EM 10%. 
        1. Estando os compradores inadimplentes e não possuindo condições de pagar as parcelas em atraso, é de se rescindir o contrato, devendo os valores pagos serem restituídos, com retenção do percentual de 10% (dez por cento).
       2. Recurso parcialmente provido. Embargos de declaração: interpostos pela recorrente, foram rejeitados pelo TJ/PR (fls. 493/496).
Recurso especial: alega violação dos arts. 535 do CPC e 884 do CC/02, bem como dissídio jurisprudencial (fls. 499/506). Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/PR admitiu o recurso especial (fls. 555/557). - É o relatório.

        RECURSO ESPECIAL Nº 1.224.921 - PR (2010/0218575-7) (f) - RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI - RECORRENTE : PROCONSULT - PROJETO CONSULTORIA E CONSTRUÇÃO LTDA - ADVOGADO : ROBSON JOSÉ EVANGELISTA E OUTRO(S) - RECORRIDO : OLINDA CHAMPOSKI DUARTE E OUTROS - ADVOGADO : LIDICE MARGOT VIE.

        VOTO - A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Cinge-se a lide a determinar a razoabilidade do valor fixado pelo Tribunal Estadual a título de indenização a ser paga pelo promitente comprador pela rescisão, por inadimplência, de contrato de venda e compra de terreno.

        I. Da negativa de prestação jurisdicional. Violação do art. 535 do CPC. Da análise do acórdão recorrido, constata-se que a prestação jurisdicional dada corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem vício a ser sanado. O TJ/PR se pronunciou de maneira a abordar todos os aspectos fundamentais do julgado, dentro dos limites que lhe são impostos por lei, tanto que integram o objeto do próprio recurso especial e serão enfrentados logo adiante. O não acolhimento das teses contidas no recurso não implica obscuridade, contradição ou omissão, pois ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele entender relevante à lide. O Tribunal não está obrigado a julgar a questão posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC. Por outro lado, é pacífico o entendimento no STJ de que os embargos declaratórios, mesmo quando manejados com o propósito de prequestionamento, são inadmissíveis se a decisão embargada não ostentar qualquer dos vícios que autorizariam a sua interposição. Vejam-se, nesse sentido, os seguintes julgados: REsp 1.186.676/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 21.09.2010; REsp 1.062.994/MG, 3ª Turma, minha relatoria, DJe de 26.08.2010; e REsp 945.283/RN, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 28.09.2009. Constata-se, em verdade, a irresignação da recorrente e a tentativa de emprestar aos embargos de declaração efeitos infringentes, o que se mostra inviável no contexto do art. 535 do CPC.

        II. Da indenização pela rescisão do contrato. Violação do art. 884 do CC/02. - O TJ/PR declarou a rescisão do contrato objeto da ação, tendo em vista a inadimplência dos recorridos, admitindo, “a título de compensação à vendedora, a retenção de 10% das parcelas pagas pelos compradores” (fl. 482). A recorrida, porém, considera insuficiente o valor arbitrado, afirmando que “o STJ tem admitido em alguns casos uma retenção de até 25% do valor das parcelas pagas quando há rescisão de contrato de compra e venda de imóvel” (fl. 501). A rescisão de um contrato exige, na medida do possível, que se promova o retorno das partes ao status quo ante. Tendo em mente essa premissa, na hipótese de promessa de compra e venda de bem imóvel a jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de admitir a retenção de parte das prestações pagas, como forma de indenizar o vendedor pelos prejuízos suportados, notadamente as despesas administrativas havidas com a divulgação, comercialização e corretagem, o pagamento de tributos e taxas incidentes sobre o imóvel e a eventual utilização do bem pelo comprador.

        Confiram-se, à guisa de exemplo, além dos precedentes alçados a paradigma pela recorrente (REsp 712.408/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe de 24.03.2008; e AgRg no Ag 1.010.279/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 25.05.2009), os seguintes julgados: REsp 845.247/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 18.06.2010; AgRg no REsp 1.013.249/PE, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 08.06.2010; e REsp 896.246/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 15.10.2007.

        Analisando os precedentes acima, constata-se que esta Corte tem arbitrado o percentual de retenção entre 10% e 25%, conforme as circunstâncias de cada caso. Nesse aspecto, cumpre ressaltar que, na hipótese específica dos autos, os recorridos se limitaram a usufruir do terreno, visto que todas as benfeitorias existentes no local foram por eles próprios construídas, vindo a ser removidas quando da desocupação da área. Assim, a indenização deve refletir apenas o usufruto do terreno, sem qualquer edificação. Por outro lado, a recorrente não comprovou ter incorrido em despesas relacionadas com divulgação ou comercialização.

        Também não há nos autos nenhuma prova da alegação de pagamento de corretagem. Aliás, não há prova sequer da existência de um intermediador do negócio, tudo levando a crer que o contrato foi celebrado diretamente entre as partes.

        Por fim, saliento que o valor a ser devolvido pela recorrente e o percentual de retenção compreendem apenas o saldo devedor, objeto de parcelamento em 60 prestações, excluídas, portanto, as arras pagas por ocasião do fechamento do negócio, as quais, nos termos do art. 418 do CC/02 (art. 1.097 do CC/16), devem ser integralmente perdidas pelos recorridos em favor da recorrente.

        Essas arras, que corresponderam a aproximadamente 14% do valor original do negócio, possuem natureza indenizatória, de modo que já estão compensando em parte os prejuízos incorridos pela recorrente, devendo ser levadas em consideração na fixação do valor a ser retido pela recorrente.

        No mais, o acolhimento das teses erigidas pela recorrente exigiria o revolvimento do substrato fático-probatório dos autos, procedimento que encontra óbice na Súmula 07/STJ. Dessarte, não vislumbro razão para majorar a porcentagem de retenção fixada pelo TJ/RS. Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.




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