2 de ago. de 2011

ARRAS – AÇÃO DE RESCISÃO

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul



                   por  Pedro Luso de Carvalho


        A Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul julgou, 28 de julho de 2011, a Apelação Cível nº 70043735547, da Comarca de Porto Alegre, tendo por Relatora a Desa. Nara Leonor Castro Garcia. Participaram do julgamento, além da Relatora, os Desembargadores Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes (Presidente e Revisor) e Nelson José Gonzaga. Ao recurso de apelação os Desembargadores, que a integraram, acordaram em, à unanimidade, dar parcial provimento às apelações, como se vê pelo acórdão que aqui é transcrito na íntegra, como segue: 

        [EMENTA] APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C DEVOLUÇÃO DE ARRAS EM DOBRO. RECONVENÇÃO. RETENÇÃO DAS ARRAS E DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. CULPA RECÍPROCA. ARRAS. IMPOSSIBILIDADE DE RETENÇÃO E DE RESTITUIÇÃO EM DOBRO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. NÃO COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE. PROVIDAS, EM PARTE, AS APELAÇÕES. UNÂNIME.

        RELATÓRIO - Nara Leonor Castro Garcia, Desembargadora (RELATORA): - CONCRISA CONSTRUTORA CRISTAL LTDA. ajuizou AÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL COM DEVOLUÇÃO EM DOBRO DE ARRAS contra IRONILDA DO NASCIMENTO TORRES e outros acima designados, com quem firmou Instrumento Particular de Compra e Venda de imóvel residencial, situado à Rua Dr. Campos Velho, no. 1.791, em Porto Alegre, RS, ao preço de R$ 130.000,00, o que pagou R$ 13.000,00, em 15.04.08, a título de arras, prevendo o pagamento do saldo, em 10.06.08, com a outorga da Escritura Pública de Compra e Venda; depois, no entanto, soube que os RR. não eram proprietários do imóvel, pois constava da matrícula do imóvel o domínio de Elpídio Silva do Nascimento e Celina Maia do Nascimento, o primeiro já falecido; disse, ainda, que regularizada a transmissão inter mortis aos RR, depois da data prevista para a outorga da Escritura Pública, mas, ainda, a segunda proprietária, também falecida, está com seus bens sob inventário, de modo que os RR. não podem alienar o imóvel, sem autorização judicial; depois, ainda, NEIVA qualificou-se como viúva, no entanto é casada com Ronildo Costa da Silva, que não figurou como contratante, além de ter sido omitida a existência do herdeiro Márcio Espinosa do Nascimento; disse, então, que, em face a estes fatos, notificou aos RR. para declarar resolvido o contrato por falta grave; concluiu que ante a indivisibilidade da herança até a partilha, o contrato estaria eivado de nulidade por culpa exclusiva dos RR., possível a resolução e a devolução em dobro das arras; pediu a declaração da rescisão do contrato por falta grave, e a condenação dos RR. à devolução em dobro do valor das arras (R$ 26.000,00). Juntou documentos (fls. 10-30).

        Citados, os RR. contestaram, alegando ter sido autorizada judicialmente a vendo do imóvel no processo de inventário (001/1.05.2366816-7), inexistindo impedimento e o imóvel está desembaraçado, com isso afirmaram descumprimento contratual pela A., e, por isso sem direito de restituição das arras. 

        RECONVENÇÃO, requerendo a condenação da A. por litigante de má-fé, à perda das arras e ao pagamento de indenização por dano moral, pelas falsas alegações contra os reconvintes, com documentos (fls. 57-99).

           Houve réplica e contestação à reconvenção. 

          Os reconvintes replicaram.

        Sentença de procedência do pedido, em relação à Ação de Cobrança, e improcedência da reconvenção nos seguintes termos:

        “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a Ação de Cobrança ajuizada por CONCRISA CONSTRUTORA CRISTAL LTDA contra IRONILDA DO NASCIMENTO TORRES, HERIOS ANTONIO ALMEIDA TORRES, NEIVA DO NASCIMENTO DA SILVA, JUSSARA DO NASCIMENTO MENEZES E ARMANDO NUNES MENEZES, condenando os demandados a devolverem à autora, em dobro, a importância contratada a título de arras, corrigida pelo IGP-M e acrescida de juros de 1% ao mês desde o pagamento (15/04/2008) o nos termos dos artigos 417 e seguintes do CCB.

           JULGO IMPROCEDENTE a Reconvenção.

        Sucumbentes, condeno os demandados/reconvintes ao pagamento das custas e honorários ao advogado da autora, que fixo em 10% do valor da condenação”. Os RR. apelaram, reiterando os termos de sua peça de defesa e da reconvenção, requerendo a improcedência da ação de cobrança e a procedência da reconvenção. JUSSARA e ARMANDO, como procurador diverso, apelaram, alegando cerceamento de defesa em razão da não apreciação do requerimento de prova oral e disseram não ter participado das negociações; no mérito aduziram a impossibilidade de cobrança das arras penitenciais quando não previstas contratualmente, e que não se arrependeram do negócio jurídico realizado; aduziram que a A. sabia do inventário e por isso não previu sanção em caso de descumprimento do prazo para outorga da escritura; requereram o provimento do recurso com o acolhimento da preliminar ou, no mérito, a declaração de parcial procedência do pedido para resolver o contrato, mas afastar a devolução em dobro das arras. 

        Recursos tempestivos e preparados.

        Contra-razões a ambas as apelações.

        Registro, por fim, que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552, do CPC, em vista a adoção do sistema informatizado.

        VOTOS - Nara Leonor Castro Garcia, Desembargadora (RELATORA): Prosperam, em parte, as pretensões recursais dos RR. Ambas as partes alegando recíproco descumprimento do contrato, pretenderam a resolução do pacto; em conseqüência, a A. pediu a devolução em dobro das arras, e os RR. a retenção do valor, além de indenização por dano moral e litigância de má-fé.

        Cerceamento de defesa.

        Não procede a alegação de cerceamento de defesa.

        A questão posta em julgamento é meramente de direito, sendo que a documentação juntada aos autos é suficiente ao deslinde do feito.

         Afastada a preliminar.

         Mérito.

        As partes concordam com a rescisão contratual, pelo que, com relação a este pedido, tanto a ação quanto a reconvenção procedem.

       A questão controvertida cinge-se, então, às arras pagas pela A./reconvinda aos RR./reconvintes, cabendo analisar de quem foi a culpa pelo descumprimento do contrato. O contrato objeto da lide fixou prazo para a outorga da escritura pública de compra e venda por parte dos RR. à A. (10.06.08), bem como consignou a ciência da A. acerca da situação do imóvel no Registro de Imóveis, conforme se observa das Cláusulas Segunda e Quinta da avença. 

        Ademais, é facilmente presumível de que a A., atuando na atividade de construção de imóveis, tivesse ciência de que o imóvel era dos pais dos RR., o que indica conhecimento dos inventários e da necessidade de regularização da cadeia dominial.

        Mesmo assim, não se pode ignorar que há prazo estipulado para cumprimento do contrato, que se daria com a outorga da escritura e o pagamento do saldo do preço. Se por um lado não foi cumprido este prazo porque retardamento dos RR., o que configura inadimplemento parcial, por outro, a A. não demonstrou que tal descumprimento impossibilitou a continuidade do vínculo contratual, mesmo porque a notificação extrajudicial (fls. 19-23) foi posterior à expedição do alvará judicial de autorização da venda do imóvel (fl. 93). Além disso, o prazo fixado para a regularização da cadeia dominial no registro do imóvel poderia ser considerado exíguo, tendo-se em conta o lapso temporal para a conclusão dos trâmites registrais e processuais.

        Ambas as partes manifestam a vontade de rescindir o pacto, no qual não tomaram os cuidados necessários para a execução contratual. A A. sabia da necessidade de regularização da titularidade da propriedade do imóvel, e os RR. não deveriam ter pactuado prazo tão exíguo para o cumprimento de sua obrigação, quando a regularização dependia de trâmites registrais e judiciais, de cuja celeridade não tinham total ingerência.

        No presente caso, ambas as partes deixaram de guiar-se pela boa-fé exigida nos contratos, conforme preceitua o artigo 422 do CC:“os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

        Neste contexto, em que ambas as partes deram causa ao desfazimento do negócio, a solução é a resolução do contrato com o restabelecimento do status quo ante, devendo os RR. devolverem o valor pago pela A. a título de arras, devidamente corrigido monetariamente, descabendo a devolução em dobro. Depois, não prospera a pretensão indenização por dano moral, visto que também os RR. descumpriram o contrato, sendo que as alegações feitas pela A., embora repreensíveis, foram feitos no curso do processo, não tendo sido objeto de apreciação por terceiros, não tendo restado configurado dano real aos reconvintes.

        Assistência Judiciária.

        O art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal estabelece que o Estado preste assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, com o que, desde a Edição da Constituição de 1988, a insuficiência de recursos deve ser demonstrada.

       A Assistência Judiciária Gratuita destina-se às pessoas pobres e necessitadas. A concessão indiscriminada do benefício, a quem não necessita, traz como conseqüência a inviabilização do acesso ao Poder Judiciário daquelas pessoas destituídas de suficiência econômica e que de fato necessitam da gratuidade judiciária.

        No caso, ARMANDO juntou cópia do Recibo de Entrega de Declaração de Imposto de Renda – Pessoa Física (fls. 128-129); deixando de trazer aos autos a íntegra da declaração tem-se uma noção incompleta da relação de bens e direitos que possui, o que impede a avaliação de sua real situação econômica. A R. JUSSARA juntou aos autos apenas o contracheque de sua aposentadoria (fl. 132). 

         A comprovação da necessidade é relevante para o deferimento do benefício, não se mostrando suficientes os documentos exibidos por ARMANDO e JUSSARA. Enfim, não se pode olvidar que aos que não têm condições de arcar com as despesas processuais o Estado fornece os serviços da Defensoria Pública, criada exatamente para tal finalidade.

        Indefiro, assim, o benefício de gratuidade judiciária a JUSSARA e ARMANDO.

        Voto, pois, em dar parcial provimento às apelações dos RR., reformando a sentença para condenar os condenar RR a devolver à A. o valor de R$ 13.000,00, corrigido monetariamente pelo IGP-M, e juros de 12% a.a., desde a data do pagamento (15.04.08).

        Redistribuída a sucumbência em razão do decaimento recíproco, a A. arcará com a integralidade das custas processuais na ação de cobrança, e os reconvintes arcarão com a integralidade das custas da reconvenção.

        Honorários advocatícios em R$ 1.000,00, compensáveis.

         Des. Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo com a Relatora.
         Des. Nelson José Gonzaga - De acordo com a Relatora.

      DES. CLÁUDIO AUGUSTO ROSA LOPES NUNES - Presidente - Apelação Cível nº 70043735547, Comarca de Porto Alegre: "À UNANIMIDADE, DERAM PARCIAL  PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES."

        Julgador(a) de 1º Grau: MARIO ROBERTO FERNANDES CORREA





Nenhum comentário:

Postar um comentário

O seu comentário será postado em breve. Obrigado.