7 de abr. de 2016

DA FRAUDE CONTRA CREDORES NA JURISPRUDÊNCIA









por Pedro Luso de Carvalho

Publicamos anteriormente neste espaço artigo sobre a fraude contra credores, mencionando os casos previstos no Código Civil que podem resultar na resolução do negócio jurídico, como, por exemplo, o regulado pelo art. 158, quando se tratar de credor quirografário, que, uma vez comprovado o seu prejuízo poderá exercer o direito de ação para pleitear a anulação do que foi ajustado (§§ 1º e 2º do art. 158).


Dissemos, no referido artigo, que o Código Civil contempla os contratos onerosos, na forma disposta pelo seu art. 159, depois de ter tratado dos contratos não-onerosos (art. 158), dando ao credor, nesses casos, o direito de pleitear anulação dos contratos de devedor insolvente quando a insolvência for notória, isto é, quando for conhecimento público, independentemente de propositura de ação judicial e de sentença condenatória. Basta que a insolvência seja notória para dar ensejo ao pedido de anulação do contrato (oneroso) pelo credor.


Também fizemos menção a outro motivo que dá direito ao credor para a referida anulação, nos casos de contratos onerosos, isto é, quando se constatar que a insolvência era do conhecimento do outro contratante (parte final do art. 159), pois, com a comprovação desse fato fica configurada a má-fé o devedor insolvente. Caso o preço seja inferior, o adquirente poderá depositar o preço de mercado, para não se desfazer do bem que adquiriu (parágrafo único do artigo).


Resta-nos ver, agora, o que os tribunais vem decidindo a respeito do tema (da fraude dos credores), transcrevendo, para tanto, decisões do Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul, que não discrepa do entendimento de outros tribunais do país.


Apelação Cível nº 70022182505, julgado pela Décima Quinta Câmara Cível Do Tribunal De Justiça do Estado do Rio Grande Do Sul, foro de origem, Comarca De Santa Vitória Do Palmar.


[EMENTA]: "AÇÃO PAULIANA. FRAUDE CONTRA CREDORES. Alienação de automóvel a ente da família. Nulidade. Caso concreto. Matéria de fato. Presença dos pressupostos para a ação. Anterioridade do crédito. Consilium Fraudis. Vínculos familiares que apontam para o conhecimento acerca da existência da dívida e circunstâncias da alienação. Insolvência perante os credores. Nulidade da compra e venda. Apelo provido em parte".


Diz o Relator, Des. Vicente Barroco e Vasconcellos, que, em suas razões (fls. 157-165), que: "sustentam os apelantes que: a) restou demonstrado o consilium fraudis, eis que a venda do bem se deu entre sogro e nora; b) houve simulação na venda do veículo para o efeito de frustrar o seu crédito; c) deve ser anulado o negócio realizado em fraude e desconstituídos os seus efeitos, determinando a constrição do veículo. Sem preparo, ante a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, e com contra-razões, subiram os autos. Registro, por fim, que foi observado o previsto nos arts. 549, 551 e 552 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado. É o relatório".


Apresentado o relatório, são proferidos os votos dos desembargadores que integram a Décima Quinta Câmara Cível do TJRGS, começando pelo Des. Vicente Barroco de Vasconcellos (Presidente E Relator): "Primeiramente, cumpre referir que a fraude contra credores se caracteriza pela transmissão gratuita de bens do devedor, capaz de levá-lo à insolvência, depois de já constituída a obrigação, com a intenção manifesta de frustrar a garantia de pagamento de suas dívidas. Para sua caracterização, no entanto, necessária a existência do consilium fraudis e do eventus damni.


Humberto Theodoro Júnior, na obra Processo de Execução – 19ª edição. São Paulo, Leud, 1999, p. 194, esclarece bem a matéria quanto diz que o eventus damini “consiste no prejuízo suportado pela garantia dos credores, diante da insolvência do devedor”, e o consilium fraudis “o conhecimento, a consciência, dos contraentes de que a alienação irá prejudicar os credores dos transmitentes, desfalcando o seu patrimônio dos bens que serviriam de suporte para a eventual execução”.


Assim, na fraude a credores o ato lesivo se caracteriza quando o devedor, depois de constituída a obrigação, aliena seus bens com a intenção de frustrar a garantia de suas dívidas. Além disso, é pacífico o entendimento da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte, no sentido de que incumbe ao devedor provar a própria solvência, o que não ocorreu no caso dos autos. Deste modo, como já referido, há fraude contra credores quando o devedor aliena ou onera algum bem, ciente do prejuízo que vai causar ao credor, e inexistem outros bens que possam garantir a satisfação de direitos e obrigações preexistentes, situação configurada no caso em tela.


Já se decidiu: “AÇÃO PAULIANA. FRAUDE A CREDORES. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL A ASCENDENTES. NULIDADE. FIANÇA. Renúncia ao benefício de ordem. Presença dos pressupostos para a ação. Anterioridade do crédito. Consilium fraudis. Vínculos familiares e residência comum que apontam para o conhecimento das circunstâncias da alienação. Insolvência. Prejuízo ao credor. Nulidade da compra e venda. Art. 159, CCB/2002. Ausência de qualquer ato de constrição judicial. Falta de interesse na alegação de impenhorabilidade por bem de família. Fiança. Renúncia ao benefício de ordem. Possibilidade. Negaram provimento” (AC 70018212902/Carlos Rafael). E, no corpo desse v. acórdão, lê-se: (...)


“Norberto de Almeida Carride, ao abordar o tema da fraude contra credores em sua obra Vícios do Negócio Jurídico, leciona que a alienação a título oneroso pode ser anulada, nos termos dos artigos 106 e 107, CCB/1916, reiterados pelos artigos 158 e 159 do Novo Código Civil, “...quando houve a venda de imóvel em data próxima ao vencimento das obrigações e inexistirem outros bens para solver o débito”. Além disso, afirma que “presume-se a fraude quando o adquirente tinha razões para saber do estado financeiro precário do alienante, como nas hipóteses de parentesco próximo, preço vil, alienação de todos os bens, relações de amizade de negócios mútuos etc.” Além disso, enumera os pressupostos da ação pauliana, entre eles: “a) ser o crédito do autor anterior ao ato fraudulento; b) que o ato que se pretende revogar tenha causado prejuízos; c) que haja intenção de fraudar, presumida pela consciência do estado de insolvência(...)”, entre outros (p. 120/121).


Ainda segundo o doutrinador, “o patrimônio do devedor é a garantia geral de seus credores e não pode aquele desfalcá-lo em prejuízo destes” (p. 119), de forma que é direito do credor contar com o patrimônio do devedor para garantia do pagamento da dívida. Por outro lado, a ação pauliana cabe em casos de fraude a credores, e não de fraude à execução, que é instituto de direito processual e se dá, segundo a doutrina, quando “ao tempo da alienação ou oneração já existia contra o devedor ação (não execução necessariamente), sendo suficiente a citação em processo de conhecimento, capaz de reduzi-lo à insolvência” (p. 126).


Talvez o principal requisito da denominada fraude a credores seja o do ‘consilium fraudis’, que é o ajuste do devedor transmitente do bem com o adquirente, com o fim de fraudar seus credores, deixando o devedor de dispor em seu patrimônio de bens suficientes à garantia de seu passivo.


Nesse sentido nossa jurisprudência: “FRAUDE CONTRA CREDORES. Configuracao de requisitos. Consilium fraudis. Não comprovado. A ocorrência de fraude contra credores exige a comprovação da anterioridade do credito, do eventus damni e do consilium fraudis. Para a configuração do consilium fraudis não basta a existência de meros indícios, mas a comprovação de que devedor e adquirente o bem tinham certeza do prejuízo que alienação do mesmo causaria aos credores. Apelo não provido. Unânime.”(A.C. nº 598584100, Décima Sexta Câmara Cível, TJRS, Relator: Des. Claudir Fidélis Faccenda, Julgado Em 19/05/1999).


“FRAUDE A CREDORES. SÃO PRESSUPOSTOS DA AÇÃO PAULIANA: a) um crédito dos autores anterior ao ato fraudulento; b) que o ato que se pretende revogar tenha ocasionado prejuízo e, c) a intenção de fraudar, admitindo-se a consciência do estado de insolvência do vendedor. Sua comprovação leva a procedência da ação. Sentença mantida”.(A. C. nº 589005719, Terceira Câmara Cível, TJRS, Relator: Des. Flávio Pancaro da Silva, Julgado Em 04/05/1989)”.


No caso vertente, em que pese a ré, ora apelada, J. S. P. alegar que quando adquiriu o veículo Pálio EX do seu sogro certificou-se junto ao DETRAN para saber se havia alguma restrição ao bem, restou demonstrada a fraude perpetrada, visto que se trata de alienação que ocorreu entre familiares, talvez não realizada entre ascendente e descendente justamente para tentar descaracterizar a fraude ao crédito. O réu S. M. A E. S. à época da alienação do seu veículo já era sabedor da existência do crédito dos autores, ora apelantes, visto que este foi constituído, através de decisão transitada em julgado ainda em 2003, e a compra e venda ocorreu em 28.11.2005. Ainda que a execução do título judicial tenha se dado somente em outubro de 2005, é inegável que o réu Said já era conhecedor da sua dívida perante terceiros, no caso, os autores, ora apelantes.


Entretanto, descabe o pedido de nomeação da compradora do veículo como fiel depositária do bem a fim de assegurar a garantia da dívida a ser executada, visto que esta ação pauliana não se perfaz no instrumento processual adequado para tal medida. O pedido de nomeação de depositário carece, em ação pauliana, de amparo legal, fomento jurídico e suporte fático.


Por fim, no que tange à alegação de que não teria havido fraude na venda levada a efeito por não necessitar mais do veículo em razão de ter amputado uma das pernas, a questão social é relevante, mas o direito dos autores, no caso vertente, se apresenta límpido e cristalino, em face dos elementos constantes dos autos.


Por tais razões, dou provimento em parte ao apelo para julgar procedente a Ação Pauliana ajuizada por M. C. B. e S. M. B. contra S. M. A. S. e J. A. S. P., já qualificados, para declarar a anulação da alienação realizada entre os réus, em razão da ocorrência da fraude contra credores, rejeitado quanto ao restante; invertendo-se os ônus sucumbenciais fixados na sentença.


Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos (Revisor) - De acordo.
Des. Paulo Roberto Félix - De acordo.
Des. Vicente Barroco e Vasconcellos - Presidente
Apelação Cível nº 70022182505, Comarca de Santa Vitória do Palmar:
"POR UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO EM PARTE AO APELO."
Julgador(a) de 1º Grau: Cristiane Diel.


REFERÊNCIA:
Fotografia do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina