14 de mar. de 2012

CONDOMÍNIO - Abuso de Direito



                     por Pedro Luso de Carvalho


        Acredito que os senhores advogados que militam na área cível apreciarão o acórdão da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que julgou, em 29 de abril de 2004, a Apelação nº 70006793558, tendo por relator o Dr. Antonio Vinicius Amaro da Silveira. 

          Foi mantida a sentença do juízo a quo – Comarca de Passo Fundo -, prolatada pelo Dr. Luis Antonio B. Gomes da Silva, que acolheu o pedido do autor (de indenização por danos morais e materiais), envolvendo um condomínio (e condôminos) para a construção de edifício de apartamentos, cedência de quota parte de condômino não acolhida pelo Cartório de Registro de Imóveis, ajuizamento de várias ações contra o condomínio, contra os demais condôminos.

         Contra o apelado-autor o apelante-réu promoveu, representação criminal pelos crimes de formação de quadrilha, falsidade ideológica, uso de documento falso e estelionato. Como se vê pelo acórdão, ficou caracterizada a responsabilidade civil do réu por abuso de direito, que viabilizou a fixação de valores a título de dano moral. 

         Segue, pois, na íntegra, o venerando Acórdão proferido pela colenda Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RGS:

        [EMENTA] RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. ABUSO DE DIREITO. ausência de insurgência quanto ao montante da verba. 
O exercício regular de direito não há de ser compreendido de maneira tão larga que possa vir a prejudicar outrem. A limitação está justamente na extrapolação, ou seja, a partir de quando a conduta que inicialmente seria considerada legal toma a forma de arbitrariedade, deixa de ser lícita, impondo reparação cível, forte nos artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002. No caso, a ilicitude decorre da sucessiva interposição de expedientes de natureza penal (representação criminal, queixa-crime e abertura de inquérito policial), sendo todos de cunho temerário, haja vista a manifestação desta Corte quanto a tais desideratos (arquivamento da representação criminal e expedição de habeas corpus de ofício para o trancamento de todos os inquéritos policiais, além de rejeição da queixa-crime por não descrever fato típico), cumprindo pontuar que a origem de todas esses feitos está fulcrada em desavença cível, qual seja constituição de condomínio edilício no qual, em razão de defeito em contrato de cessão de direitos, fora a quota parte do ora demandado, cessionário, registrada em nome da cedente. A toda evidência, tal fato, porque de singela resolução na esfera cível ou até mesmo de forma extrajudicial, não comporta o reiterado emprego da via penal, máxime porque nenhuma prova acerca das imputações penais tinha o demandado contra os aqui autores. Afora isso, inexistindo insurgência acerca do montante da indenização, a análise deste órgão fracionário fica limitada à caracterização do dano moral.
SENTENÇA MANTIDA.
APELO IMPROVIDO.

         Apelação Cível - Quinta Câmara Cível - Nº 70006793558 Comarca de Passo Fundo - GERALDO LUIZ DOS SANTOS ZIBETTI, APELANTE; JUAREZ DE SOUZA MOREIRA, APELADO; SOLUETE OLIVEIRA DA SILVA, APELADO

        ACÓRDÃO

          Vistos, relatados e discutidos os autos. 

         Acordam os Magistrados integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.

           Custas na forma da lei.

      Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. LEO LIMA (PRESIDENTE) E DES. e DES. PEDRO LUIZ RODRIGUES BOSSLE (REVISOR).
Porto Alegre, 29 de abril de 2004.


           RELATÓRIO

           DR. ANTONIO VINICIUS AMARO DA SILVEIRA (RELATOR)

         Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais ajuizada por JUAREZ DE SOUZA MOREIRA e SOLUETE OLIVEIRA DA SILVA contra GERALDO LUIZ DOS SANTOS ZIBETTI. 

          Na peça vestibular, anunciam os autores que, juntamente com outras pessoas, dentre as quais Dalva Maria Pomatti, reuniram-se a fim de constituírem um condomínio para a construção de certo edifício de apartamentos, contratando que a responsabilidade condominial ficaria limitada à área comum, cumprindo a cada condômino à realização dos acabamentos internos. No decorrer da obra, porém, a condômina Dalva Maria Pomatti veio a ceder sua quota parte (apartamento nº 101 e box de garagem nº 02) ao ora requerido e sua esposa, o que se deu por meio de contrato de cessão de direitos sobre o imóvel. 

        Todavia, por desatenção à forma, a cessão de direitos não fora aceita no ofício imobiliário, fato comunicado pelo próprio Cartório de Registro de Imóveis ao ora apelante. A essa altura, já havia o demandado ajuizado várias ações contra o condomínio, contra os demais condôminos e contra a cedente, as quais não serão aqui mencionadas já que desimportam ao deslinde do feito. 

         Diante da impossibilidade do registro da cessão, já que tal contrato não tinha sido averbado no Registro de Imóveis, a quota condominial do cessionário (ora demandado) acabou sendo registrada em nome da cedente Dalva Maria Pomatti, anunciando os condôminos que o cessionário poderia buscar judicial ou extrajudicialmente junto à cedente a regularização da escritura pública de sua quota condominial. 

         A partir daí, segundo informam os autores, é que o requerido passou a promover uma série de inconvenientes os quais vieram a ensejar a atual demanda de reparação por dano moral e material. 

         Quanto aos danos morais, sublinham resultarem da promoção de representação criminal pelos crimes de formação de quadrilha (288 do CP), falsidade ideológica (art. 299 do CP), uso de documento falso (art. 304 do CP) e estelionato (art. 171 do CP), noticiando que tal representação criminal veio a ser arquivada pelo Tribunal de Justiça, tendo sido também expedido habeas corpos para o efeito de determinar o trancamento dos demais inquéritos policiais em curso, exaltando a Corte a falta de justa causa para tais expedientes criminais. No tocante à queixa-crime pela prática de esbulho possessório (§ § 1º e 3º do art. 161 do CP), o Órgão Pleno do Tribunal de Justiça assentou não se tratar o fato narrado de típico ilícito penal. 

          É, pois, nesse contexto que postulam a reparação moral, enfatizando gozarem de conduta ilibada, máxime porque o requerente varão atua como magistrado da Justiça Militar daquela cidade (Passo Fundo), tendo tais demandas cíveis e criminais repercutido em sua vida profissional.

          No tangente aos danos patrimoniais, argumentam resultarem de lucros cessantes e dos gastos havidos com a contratação de advogados para a defesa criminal. Nesse passo, argúi o requerente varão que, ao tempo dos fatos, aguardava promoção por merecimento na carreira da magistratura, sendo que essa não veio a correr em função dos processos movidos pelo ora demandado. 

        Em sede de contestação, argumenta o requerido, em apertada síntese, que todas as demandas intentadas contra os ora demandantes estão sob a égide do exercício regular de direito, máxime porque sempre entendeu estar sendo lesado em seu direito de propriedade, partindo daí a interposição da representação criminal e da queixa-crime, argüindo jamais haver laborado no intuito de caluniar ou difamar o conceito social de que gozam os autores desta demanda indenizatória.  

        Após, reprisando, quanto à constituição do condomínio edilício e quanto ao contrato de cessão, a mesma narrativa fática levada a efeito pelos autores, postula seja acolhida a preliminar de inépcia da inicial, já que ausentes documentos essenciais os quais deveriam ter vindo aos autos pelas mãos dos autores quando da peça inaugural, ou, alternativamente, seja determinada pelo juízo a emenda da inicial, arrolando, então, os documentos que considera imprescindíveis para o deslinde do feito. Por fim, requer seja julgada improcedente esta demanda indenizatória.

         Lançada a sentença (fls. 953/971), culminou o sentenciante, de modo inicial, por afastar a preliminar de inépcia da peça vestibular, anunciando que da narrativa fática deflui conseqüência lógica, tanto que possibilitou ao demandado a apresentação de extensa peça de contestação, sendo inviável falar em prejuízo para a sua defesa.

         Antes, ainda, de adentrar na matéria de fundo, anunciou o julgador monocrático já haverem os ora litigantes celebrado acordo judicial (fl. 849), sendo que nesse concordaram em limitar a discussão acerca dos danos morais e patrimoniais ao montante de R$ 60.000,00, motivo pelo qual eventual juízo de procedência observará tal monta como limite da condenação. 

          Especificamente no mérito, o julgamento foi de parcial procedência do feito. 

         Desse modo, reprisando tencionarem os autores auferir condenação por danos morais com fulcro no ajuizamento de representação criminal e de queixa-crime, bem como na abertura de inquérito policial, estando a tese da peça inaugural amparada na caracterização de agir ilícito, forte no art. 339 do CP (denunciação caluniosa), finda o julgador monocrático por assentar juízo de procedência do pedido de dano moral, fixando, então, para cada cônjuge, a monta de R$ 25.000,00. Fundamentando o juízo de procedência do pedido de dano moral, enfatiza extrapolarem os expedientes administrativos e processuais patrocinados pelo réu o limite em que se circunda o exercício regular de direito, configurando, ao revés, conduta abusiva. Assevera também o juízo a quo que a leitura das decisões extintivas dos feitos criminais não deixa dúvida de que os fatos ocorridos não tinham a menor feição de ilícito penal, inquinando-os de despropositados, sendo inegável o dolo de causar desconforto aos requerentes, sobretudo porque sequer é possível atribuir o desastre das ações manejadas pelo réu contra os ora autores a certa inexperiência profissional. No ponto, ressalta ser o réu antigo e conhecido advogado da região.  

          Por outro lado, no tangente aos danos patrimoniais, o julgamento foi de improcedência do pedido, findando o julgador de primeiro grau por sublinhar inexistir prova de sua ocorrência, já que sequer o contrato de honorários advocatícios relativos aos expedientes penais veio a ser juntado aos autos. Quanto ao fato de constituir o agir do requerido obstáculo para angariar promoção em sua carreira, advindo daí a perda de vencimentos configuradora de lucros cessantes, exalta o julgador não encontrar tal narrativa agasalho na prova oral coligida. Nessa senha, refere que o Presidente do Tribunal Militar, quando inquirido (fl. 875), aduz não lembrar de o autor ter-lhe inquirido acerca dos motivos do atraso de sua promoção, tendo enfatizado, ainda, tal depoente, que os critérios de promoção são vaga e antigüidade. 

          Enfim, diante da parcial procedência dos pedidos, termina o juízo de primeiro grau por impor ao requerido o percentual de 2/3 das custas, bem como honorários advocatícios de 15% sobre o valor da condenação, ficando aos autores a responsabilidade por 1/3 das custas, arbitrando honorários advocatícios da sucumbência em R$ 3.000,00, autorizando a compensação de honorários e salientando decorrer a parcial procedência apenas do desacolhimento do pedido de danos materiais, forte no acordo de fl. 849.  

         Em exaustivas razões de apelação (fls. 1.031/1.124), argúi o requerido GERALDO LUIZ DOS SANTOS ZIBETTI haver o sentenciante ferido o princípio da adstrição, porquanto acatou como causa de pedir situação não enfocada pelo apelados, qual seja o equívoco deste apelante quando do ajuizamento da demanda criminal, pois, de fato, este litigante laborou em erro quando da eleição do foro competente para o recebimento da representação criminal, tendo protocolado tal demanda na Comarca de Passo Fundo, olvidando que a competência originária era do Tribunal de Justiça. Ademais disso, aduz que nenhuma prova de dolo quanto ao erro da norma de competência existe neste feito.

        Noutro ponto, anuncia estar a sentença em notório desrespeito à caracterização do instituto da sucumbência recíproca, porquanto o acordo judicial ao qual se reporta o julgador não alterou as bases iniciais do pedidos indenizatórios, visto constar na referida avença que tal não induz renúncia aos itens pretendidos. 

          Assim, requer sejam observados os valores das indenizações pedidas na peça inaugural para que a partir deles restem fixados os percentuais de sucumbência, anunciando, então, que a título de dano moral foram pedidas as montas de R$ 200.000,00 para o cônjuge varão e R$ 150.000,00 para a cônjuge mulher, desenvolvendo o mesmo raciocínio para o pedido de danos materiais. Por meio de tal linha de abordagem, sustenta que seriam praticamente inteiramente compensáveis os honorários advocatícios da sucumbência.  

         Mais especificamente no mérito, pontua deva ser, de modo integral, reformada a sentença, argüindo que apenas fez uso do que se convencionou chamar exercício regular de direito, nada possuindo de abusivas as condutas processuais e administrativas levadas a efeito, anunciando, ainda, serem manifestamente autônomas as esferas cível e penal.

          Quanto às ações intentadas, sublinhando não possam ser vistas como caracterizadoras de dano moral, aventando, ademais disso, que os apelados trouxeram aos autos tão-somente cópias da representação criminal e do acórdão que determinou o trancamento da ação do inquérito policial e por não ter sido juntada propriamente cópia daquele inquérito, tal não pode ser considerado na fixação do montante da condenação. Afirmam deva este entendimento ser observado quanto à queixa-crime por esbulho possessório, pois também não veio a ser anexada aos autos.

          Ainda no tópico, enfatiza ter por firme convicção que a conduta dos apelados foi maliciosa e tendente a lhe causar prejuízos patrimoniais.

       Especificamente acerca da responsabilização civil, pondera não estarem preenchidos todos os postulados exigidos por lei para a sua caracterização, máxime porque as demandas criminais ajuizadas por este apelante tiveram sua razão de ser e acaso encontrassem os apelados reais motivos para se insurgirem contra tais expedientes, por certo, teriam feito uso de competente ação penal (denunciação caluniosa ou injúria, calúnia e difamação), já que só assim possível seria considerar inteiramente preenchidos os requisitos da responsabilidade civil.

         Ainda quanto à não-possibilidade de os eventos em testilha causarem dano moral indenizável, argúi, citando Caio Mário, que o uso de um direito não pode vir a ser visto como causa de dano a outrem. 

        A seguir, elencando as condutas patrocinadas pelos apelados e que, na sua ótica, seriam as causas justificadoras para o ajuizamento daquelas ações criminais, alega estar configurado agir ilícito dos apelados no fato de que logo após o arquivamento da representação criminal é que vieram a ajuizar esta ação indenizatória. 

         De outra banda, argúi devam ser aplicadas aos litigantes às penas de litigância de má-fé, porquanto resta inegavelmente comprovado que as ações patrocinadas pelo apelante não causaram danos morais ou patrimoniais aos apelados, sendo, então, assente terem os ora postulantes grosseiramente alterado a verdade dos fatos. 

         Sobre a inquirição testemunhal, anuncia que tal prova dá conta de que a publicidade dada a terceiros dos fatos aqui debatidos, a toda evidência, somente pode ser atribuída aos próprios apelados, apontando, desta feita, para o depoimento prestado por Marco A. Monteiro Silveira (fls. 722/726). 

         De resto, no tocante ainda à prova oral, propugna não ser hábil para evidenciar qualquer sorte de dano moral indenizável, o que faz colacionando trechos dos demais depoimentos prestados. 

         Noutro ponto, aludindo estar sobejamente configurada a inépcia da peça vestibular, salienta, outrossim, comportar o feito três teses para o acolhimento dessa postulação.

          Por primeiro, noticia não haver comprovação de que os apelados de fato desempenhem as profissões anunciadas, tampouco que aufiram a renda afirmada. 

         A duas, porque inexiste prova relativamente à argüição de que as ações criminais interpostas por este litigante, ora apelante, vieram a abalar a carreira profissional de um dos demandantes. 

         A três, por não ser minimamente crível a alegação de que toda a cidade veio a ter conhecimento sobre os fatos que envolvem os combatentes.

         Novamente no mérito, mas agora por derradeiro, reprisa serem absolutamente verídicos, a despeito do deslinde que tenha dados àquelas ações a justiça criminal, todos os fatos narrados nas peças criminais, enfatizando não bastar para a pertinência das assertivas promovidas pelos apelados a conclusão feita pelo Ministério Público em atuação naquele foro, pois tão-somente consignou não existir prova de dolo, daí o juízo de improcedência dos feitos criminais. 

        Com essas ponderações, postula, por fim, seja declarada a inépcia da petição inicial desta ação indenizatória, sendo declarada nula a sentença, haja vista serem os autores carentes de ação e não ter ficado adstrita aos termos do que fora postulado ou, de outro modo, seja julgada improcedente esta demanda com a necessária imposição das penas de litigância de má-fé aos apelados. Sucessivamente, para o caso de ser mantida a condenação, postula haja reavaliação sobre o valor da causa e sobre a sucumbência, tendo em vista que a limitação estabelecida no acordo, ao qual alude o julgador monocrático, não tem o condão de afastar os valores dados à causa e aos pedidos condenatórios. 

           Interposto e preparado, foi o recurso recebido no duplo efeito. 
           Ofertadas contra-razões de apelação (fls. 1.134/1.142). 
           Nesta instância, vieram os autos a este Relator para julgamento.

           É o relatório.

           VOTOS

           DR. ANTONIO VINICIUS AMARO DA SILVEIRA (RELATOR)

         Por primeiro, a par de terem sido lançadas ao final das razões de apelação, enfrento as questões preliminares, sendo que inicio pela aventada inépcia da peça inaugural. 

          Com efeito, não há falar em inépcia da peça vestibular, já que tal desiderato é medida excepcional e que fica mitigada para as hipóteses em que da narrativa fática feita pelo postulante, no caso postulantes, não deflui lógica conclusão, vindo, então, a dificultar a defesa de parte adversa. 

        Nessa linha, diante de toda a extensa defesa produzida nesses autos pelo requerido, afigura-se impossível tencionar seja declarada inepta a peça vestibular, máxime porque a narrativa ali contida é dotada de objetividade e clareza, permitindo a confecção da defesa processual competente. 

         Ademais, impende consignar que, quanto aos outros pontos nos quais se fulcra o apelante para ver declarada a inépcia, em verdade, fazem parte do mérito, pois atinem aos argumentos lançados pelos apelados a fim de caracterizar a extensão dos danos morais anunciados ou, de outro modo, dizem respeito à produção de prova, devendo sua análise ser relegada para o enfrentamento de mérito. 

        No tocante à carência de ação, limito-me a referir que o postulante sequer se deu ao trabalho de objetivamente indicar em que se consubstancia tal argüição, motivo pelo qual inviável a este Relator proferir julgamento adivinhativo, apontando razões que incunbuia ao apelante destacar. 

         Superada a questão relativa à anunciada inépcia, enfrento as demais prefaciais, qual seja princípio da adstrição e sucumbência.

         Ora, pelo princípio da adstrição tem-se que o julgador deve ficar circunscrito ao pedido lançado da peça inaugural, circunstância que encontra fundamento legal no inc. IV do art. 282 do Código de Processo Civil. 

        Neste passo, ao que tudo indica, confunde o apelante a perfeita compreensão que devem ter os operadores do direito acerca dos incisos IV (‘o pedido com suas especificações’) e III (‘o fato e os fundamentos jurídicos do pedido’), ambos do artigo 282 do Código de Processo Civil.

         O inciso III é o que se nomina causa de pedir a qual, no caso telado, está consubstanciada na alegação de que as demandas criminais lato sensu, ou seja, representação criminal e queixa-crime ajuizadas pelo ora apelante contra os apelados, é que constituem a causa de pedir da narrativa posta na inicial. Dito de outro modo, a causa de pedir vem a ser, pois, os fatos que dão ensejo ou que permitem, por corolário lógico, seja feito o pedido. 

         Por essa razão, descabe fazer interpretação tão restritiva de modo a inquinar de nula a sentença em testilha simplesmente por ter o julgador usado, diga-se, a título de reforço argumentativo para o deferimento do pedido indenizatório, circunstância que veio aos autos a partir de informações lançadas pelas partes e, sublinho, não impugnada pelo apelante, já que a considerou desimportante e fora do objeto da lide (como o próprio anuncia em sede de razões de apelação). 

         Em verdade, a situação posta pelo sentenciante, qual seja o equívoco acerca das regras de competência processual penal levado a efeito pelo apelante quando do ajuizamento de demanda criminal, de modo algum tem o condão de mudar o curso da lide ou desviar o tema central debatido. 

         Por outro lado, o inc. IV, este sim, é que deve ser interpretado restritivamente, máxime porque a partir desse dispositivo vem a ser limitada a abrangência da coisa julgada, valendo consignar que o juiz só pode alcançar aquilo que foi pedido e não o que foi fundamentado. 

         Com essas considerações, pontuo, de rigor, inexistir nesses autos qualquer argumentação passível de acolhimento para o pedido de cassação da sentença, valendo mais uma vez anotar não ter o julgador monocrático ultrapassado o limite daquilo que fora buscado pelo ajuizamento da presente demanda. 

        Aliás, não é demais também exaltar, que a circunstância tão alardeada pelo apelante como representativa de fuga ao princípio da adstrição – consideração do erro de competência processual criminal como fator de agravamento do dano moral – é situação de mero balizamento do montante da indenização e não da caracterização em si do direito à monta reparatória, cumprindo anotar que os autores referem como sendo um dos fatores pelos quais haveria de se dar a procedência do feito reside a publicidade negativa que as ações geraram no meio social em que vivem. Ora, o erro no endereçamento da ação – competência originária do Tribunal – redunda, sim, na amplitude dos efeitos gerados na vida dos apelados. 

       Ainda prefacialmente, insurge-se o apelante no tangente ao instituto da sucumbência, referindo, outrossim, ser equívoco o raciocínio desenvolvido pelo julgador de primeiro grau para a fixação da sucumbência. 

         Em tal contexto, propugna não possa ser considerado o acordo de fl. 849 como parâmetro para a distribuição da sucumbência, haja vista não possuir tal acordo o condão de alterar o valor da causa e o valor atribuído pelo apelados aos pedidos condenatórios.

         No tocante a essa controvérsia, impende, ao efeito de bem esclarecer a lide, transcrever parcela do referido acordo: 

           “(...).
        Os requeridos Soluete Oliveira Silva e Juarez de Souza Moreira, bem como o demandante, lá demandado, concordam em limitar a discussão do processo de danos morais e patrimoniais que tramita na Quinta Vara Cível ao teto de R$ 60.000,00. Ressaltam que isso não implica em aceitação do pedido de indenização ou desistência, perdão ou renúncia ao pedido de indenização por danos morais. Também não acarreta confissão pelas partes.
(...).”

        Diante do conteúdo do acordo acima referido, desencontra agasalho a tese de que, no tocante à distribuição da sucumbência, haveriam de ser considerados os valores dos pedidos de dano moral (R$ 200.000,00 para o cônjuge varão e R$ 150.000,00 para a cônjuge mulher), além da soma pretendida a título de dano material (R$ 12.000,00 de honorários despendidos aos advogados contratados para a demanda crime e mais lucros cessantes), porquanto desde quando fora celebrado o termo de acordo antes ressaltado, aquele valor, a saber R$ 60.000,00 é que passou a ser o teto da condenação, sendo juridicamente inviável acolher, no ponto, a argumentação do irresignante. 

          O acordo, saliento, celebrado em juízo, está a substituir, no que pertine, é claro, os termos da inicial e quanto a isso nenhum outro argumento resta a ser tecido, valendo pontuar pela impossibilidade de ser considerada a argüição de comportar o feito inteira compensação de honorários sucumbenciais. 

        Convém, por oportuno, assentar que o valor dado à causa é o de alçada, pelo que descabe tecer qualquer comentário relativamente a tal valor como parâmetro para distribuição da sucumbência.  

          Finda a análise das teses prefaciais, passo a abordar especificamente o mérito, desde logo sublinhando pelo inacolhimento das razões de apelação. 

          É que a narrativa apresentada nas peças confeccionadas pelos litigantes, bem como o que veio a ser apurado na instrução probatória, conduz ao entendimento de que o apelante extrapolou a seara do exercício regular de direito, uma vez que todos os expedientes penais intentados restaram inexitosos.  

        Importa aqui deixar assentado que o exercício regular de direito não há de ser compreendido de maneira tão larga que possa vir a prejudicar outrem. A limitação está justamente na extrapolação, ou seja, a partir de quando a conduta que inicialmente seria considerada legal toma a forma de arbitrariedade, deixa de ser lícita, impondo reparação cível, forte nos artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002. 

         No caso, a ilicitude decorre da sucessiva interposição de expedientes de natureza penal (representação criminal, queixa-crime e abertura de inquérito policial), sendo todos de cunho temerário, haja vista a manifestação desta Corte quanto a tais desideratos (arquivamento da representação criminal e expedição de habeas corpus de ofício para o trancamento de todos os inquéritos policiais, além de rejeição da queixa-crime por não descrever fato típico), cumprindo pontuar que a origem de todos esses feitos está fulcrada em desavença cível, qual seja constituição de condomínio edilício no qual, em razão de defeito em contrato de cessão de direitos fora a quota parte do ora apelante, cessionário, registrada em nome da cedente. 

         Assim sendo, a toda evidência, tal fato, porque de singela resolução na esfera cível ou até mesmo de forma extrajudicial, não comporta o reiterado emprego da via penal, máxime porque nenhuma prova acerca das imputações penais tinha o demandado contra os aqui autores. 

        Vale reiterar que se é verdade que há independência entre as esferas cível e criminal e que a todos é facultado deduzir em juízo suas pretensões de direito, tendo em vista estar tal digressão inserida na definição de exercício regular de direito, também o é que a essa liberdade de socorro ao Judiciário, pelo próprio Judiciário e de igual maneira com fulcro em lei, encontra limitação sempre que a conduta vier a configurar abuso, o que ocorreu no caso telado. 

          Para a compreensão de que a conduta levada a efeito pelo apelante configura abuso de direito, basta ter em mente que o início de toda a divergência de que esses autos dão conta, como antes dito, está atrelada à constituição de um empreendimento imobiliário, isto é, o fundo de toda essa desavença é contratual.

         Portanto, mesmo atento à manifesta independência que há entre as esferas cível e penal, tenho que a divergência acerca da regularidade ou não do procedimento patrocinado pelos apelados, bem como por outros condôminos quando do registro junto ao ofício imobiliário das quotas partes de cada condômino, certamente é inábil para dar margem a todas as imputações de agir criminoso lançadas pelo apelante (formação de quadrilha, falsidade ideológica, estelionato e esbulho possessório), tanto é verdade que chegou esta Corte a expedir habeas corpus de ofício para cancelar o curso de inquéritos policiais aos quais estavam sendo submetidos os apelados. 

        A partir de quando a atuação de alguém começa por ferir e por agredir, sublinho, sem qualquer resquício de prova, a imagem de outrem, extrapolada está a figura legal do exercício irregular de direito. Quando um particular imputa conduta delituosa a um outro, cumprindo aqui anotar que foram várias as atribuídas como praticadas pelos apelados, impõe fazê-lo com cautela, pois o limite entre a liberdade de patrocínio de demandas criminais e a configuração de abuso de direito não tem a largueza anunciada pelo ora apelante. 

        Justamente na reincidência, ou seja, na continuada tentativa de fazer com que os apelados venham a responder processo-crime, bem como na publicidade que tais fatos ganharam no convívio dos demandantes é que reside a ilicitude do agir do demandado (apelante) e a caracterização do dever de indenizar.  

         Especificamente acerca do preenchimento dos postulados da responsabilidade civil, basta sinalar que a narrativa inaugural encontra agasalho nos art. 186 e 927 do Código Civil de 2002, a saber dano, nexo causal e culpa ou dolo.

         Ora, o dano aqui telado é o moral o qual está consubstanciado na imputação de conduta criminosa aos apelados, sendo essa desassistida de qualquer esteio em prova. O nexo de causalidade deflui, como corolário lógico, em razão dos constrangimentos anunciados pelos requerentes e o dolo, tendo em vista a reiteração do propósito de imputar atuação ilícita aos autores desse feito indenizatório é assente. 

       Nesse passo, impõe pontuar não encontrar guarida a tese de que acaso tivessem os apelados reais motivos para se insurgirem contra os expedientes criminais ajuizados pelo ora requerido teriam feito uso das demandas penais de denunciação caluniosa ou injúria, calúnia e difamação, já que a análise da pertinência dos argumentos tecidos em torno da configuração do abalo moral pretendido indenizar prescinde, pois, de ulterior demanda de natureza criminal. 

         A instância cível, independente que é, tem perfeitas condições de apurar a pretensão indenizatória sem necessitar de prévio expediente penal. 

         Na verdade, o deslinde do feito penal apenas importa para a esfera cível naquelas hipóteses em que há condenação, já que a sentença penal condenatória faz coisa julgada cível. Mas o contrário não ocorre, máxime porque os critérios cíveis de apuração de responsabilidade são mais brandos do que os penais, porquanto aqui não há privação de liberdade e sim imputação de condenação pecuniária. 

        Também é inservível para a desconfiguração da pretensão reparatória a assertiva de que esperam os autores o arquivamento da representação criminal para logo em seguida interpor a presente ação indenizatória. 

         No tocante à inquirição testemunhal assento, ao revés do que fora consignado pelo apelante, que não vem ao encontro de sua intenção de ver descaracterizado abalo moral, sobretudo porque argúi o apelante que a publicidade a terceiros fora causada pelos próprios requerentes. 

         No trilho aponto para o depoimento lançado por Nelita Maria Zanatta (fls. 551/552):

           “(...).
        Comentou em um almoço com colegas que achou a professora Soluete doente, mais magra e triste, achando que tal quadro era resultado do doutorado que ela estava fazendo. Refere qua a autota sempre chegava na secretaria animada e puxava conversa, mas naquela época ficava calada e triste. Naquela época a depoente não sabia o que estava acontecendo. Refre que ao fazer tal comentário, uma das pessoas comentou que ‘vai ver que é o processo da polícia’. 
(...).”

         De igual sentido é o depoimento prestado por Nereu Roque Dartor (fl. 553/554):

          “(...).
         Soube por comentários na sala dos professores e no futebol que joga na Unimed, que a autora teve problemas no edifício que estava construindo com outras pessoas. O comentário era de que ‘haviam logrado’ um dos condôminos. O comentário também menciona de que sobre tal fato houvera denuncia na polícia. (...). Refere que o assunto não era de todos os professores, mas de um grupo mais reduzido, revelando o depoente que ficava constrangido, já que tinha ciência de que o marido da autora era juiz e que dificilmente faria o que se comentava.
(...).”

        Outro não é o conteúdo do depoimento prestado por Marco Antônio Monteiro Silveira (fls. 86/90):

         “(...).
        Ele ficou na época, o doutor Juarez a gente soube que ele ficou bastante transtornado com isso, ele já prestes a se aposentar, uma representação criminal dentro da Justiça Militar, todos ficaram sabendo depois, obviamente, no prédio, que ele ficou muito chateado com esse tipo de condução assim. (...) É a gente notava que ele sempre ia para o cartório, às vezes ao final da tarde para a gente conversar, todos lá dentro, ele já passou a ficar mais no gabinete, ele já não vinha mais tanto para o cartório. 
(...).”

         Por fim, sublinho o testemunho prestado por Pedro Osório Rosa Lima (fls. 727/730):

           “(...). 
        Com certeza, porque depois dessa informação a discussão ente os juízes do Tribunal girava justamente diante de eventual vaga que viesse a ocorrer como é que poderiam promover um juiz que estaria sendo processado, que estaria uma respondendo a uma representação por estelionato e outras fraudes, então essa foi uma discussão que se estabeleceu, agora, se seria decisivo ou não aí somente os juízes seriam capazes. 
(...).”

        Por certo, tais depoimentos são o que basta para afastar a argüição no sentido de terem sido os próprios autores que deram azo ao conhecimento público dos fatos, pois se depreende de todo o contexto da prova oral que a publicidade nefasta ocorreu por si só, tendo em vista a gravidade das condutas impingidas aos apelados e posição social ocupada por aqueles.  

         Aqui, importa pontuar ser absurda a alegação de que os autores não comprovam desempenharem as profissões que informam (juiz de direito da Justiça Militar e dentista e professora universitária), máxime porque assim se qualificam os demandantes na peça inaugural.

         Além disso, a prova oral é farta em referir que um dos autores é magistrado e o outro, no caso sua cônjuge, é dentista e professora universitária. 

       Quanto à ventilada ausência de comprovação da renda auferida pelo casal, tenho inexistirem motivos para inquinar a pretensão indenizatória de improcedente em razão de tal ausência, pois desimporta no deslinde do feito. 

        No caso em liça, a comprovação da renda, acaso não se pudesse ter em mente o padrão de vida levado pelo casal, apenas seria importante para o arbitramento da monta indenizatória, convindo anotar que no longo arrazoado lavrado pelo apelante nenhuma consideração é feita, de modo específico, sobre a quantificação da condenação.

         Ainda no tocante ao reconhecimento de abalo moral, sinalo, embora não tenha sido tese desenvolvida pelo apelante, dado que denota a par da extensão, a vagueza jurídica das argumentações formuladas pelo irresignante, adotar este Relator entendimento de que, de regra, de relação contratual não exsurge abalo moral. Todavia, a situação especialíssima ventilada nesse feito, pelas razões até então manifestadas, forma plena convicção relativamente ao dano moral, pois, como reiteradamente afirmado, não há espaço para a tese de exercício regular de direito, bem como para a apregoada ausência de intenção pejorativa na interposição de todos os feitos formulados contra os requerentes (apelados).  

        Vale ressaltar, como se costuma dizer, que para pessoas de boa índole, só o fato de responder a uma ação penal já é o suficiente para feri-la, tamanho o desconforto. O que se dirá, então, em se tratando de procedimentos de iniciativa escancaradamente temerária?

        Por fim, reiterando que, mesmo diante de tamanhas razões de apelação, nenhuma insurgência pontual acerca do montante da indenização teceu o apelante, como também nos requerimentos finais não consta pedido sucessivo de, para o caso de mantença da condenação, seja a monta arbitrada em primeira instância reduzida, não cabe a este órgão fracionário analisar a adequação da verba indenizatória, pelo que, mais uma vez sinalando restar sobejamente configurado o abalo moral, já que as demandas criminais intentadas pelo apelante contra os apelados extrapolaram e muito a noção que se tem de exercício regular de direito, configurando, ao revés, atuar ilícito, pois podem ser adjetivadas de temerárias, fica mantida a condenação nos termos exarados pelo juízo de primeiro grau.  

           Em face do improvimento do apelo, prejudica fica a análise do pedido de condenação em litigância de má-fé, pois, por todo o exposto, o ajuizamento dessa ação indenizatória encontra fulcro na disciplina jurídica civilista, a saber artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002 (anterior artigo 159 do Código Civil de 1916). 

         Desta feita, de acordo as considerações acima postas, o voto é no sentido de improver o apelo manejado por GERALDO LUIZ DOS SANTOS ZIBETTI, ficando mantida hígida a sentença que veio a julgar procedente em parte a ação indenizatória interposta por JUAREZ DE SOUZA MOREIRA e SOLUETE OLIVEIRA DA SILVA. 

        É, pois, como voto.

DES. PEDRO LUIZ RODRIGUES BOSSLE (REVISOR) - De acordo.
DES. LEO LIMA (PRESIDENTE) - De acordo.
Julgador(a) de 1º Grau: LUIS ANTONIO B GOMES DA SILVA


                                                           

                                                                    *  *  *