26 de nov. de 2015

LOCAÇÃO - Inadimplemento do Locatário


               
                         – PEDRO LUSO DE CARVALHO

O contrato de locação de imóvel residencial normalmente é assinado por prazo determinado de um ou dois anos, e, uma vez vencido o prazo, o contrato passa a viger por tempo indeterminado, caso não haja manifestação em contrário por parte dos contratantes. Neste caso, o que muda, na sua essência, é somente o prazo que regula essa relação contratual, possibilitando, assim, a qualquer das partes, manifestar-se a qualquer momento por sua resolução, que poderá ser feita por meio de notificação judicial ou extrajudicial, sem quaisquer ônus para os contratantes.
Mas, o que não se pode esquecer é que as demais obrigações contratuais não serão alteradas quando a relação ex-locato tiver sido alterada, no que diz respeito ao seu prazo de vigência. Neste caso, não pode pairar dúvida quanto à permanência da garantia fidejussória, pois o consenso para que a locação continue com o prazo indeterminado, em substituição ao prazo original que atingiu o seu termo, não pode ser tido como novação, pois  se assim fosse extinguiria a fiança. Permanecem, pois, intocadas todas as obrigações do fiador, assumidas quando se dispôs a ser o garantidor da locação.
Caso o fiador não concorde em continuar figurando no contrato de locação, como garantidor do pagamento da dívida, que passou a vigorar com prazo indeterminado, poderá ajuizar ação de revogação da fiança. Caso não se manifeste nesse sentido, o fiador continuará a figurar no contrato de locação na condição de principal responsável pela dívida do afiançado, até que o imóvel seja desocupado e a chave entregue ao proprietário do imóvel, nas mesmas condições que o recebeu por ocasião da estipulação do contrato.
Aliás, esse foi o entendimento da Décima Quinta Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao julgar a Apelação nº 70019550789, em 10 de outubro de 2007, que teve por relator o Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos, como se vê pela sua ementa que segue:
[EMENTA] “Apelação cível. Locação. Ação de despejo por falta de pagamento c/c cobrança. Desocupação do imóvel no curso da lide. Contrato prorrogado por prazo indeterminado. Ônus da prova. Caso concreto. Exoneração de fiança. Inocorrência. A responsabilidade do fiador pelo pagamento dos locativos permanece até a efetiva desocupação do imóvel com a entrega das chaves pelo locatário. Inaplicabilidade ao caso concreto do art. 835 do novo código civil. Moratória não caracterizada. Extinção da fiança. Inexistência. Aditamentos contratuais. Novação inexistente. Notificação do fiador para constituição em mora. Desnecessidade. Apelo provido. Unânime”.
Portanto, a Décima Quinta Câmara Cível deu provimento à apelação, reformando a sentença recorrida, no sentido de não retirar os efeitos da fiança, com o fundamento que consta no voto do relator, Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos, como segue:
Ao que se observa dos autos, o contrato de locação em discussão foi firmado pelo prazo determinado de doze meses, tendo iniciado em 1º.12.94 e se prorrogado por prazo indeterminado. Restou incontroverso nos autos que a locatária deixou de adimplir os aluguéis e encargos a partir de 2001. A douta sentença, ora recorrida, julgou improcedente o feito com relação à fiadora por entender que ela não poderia ser responsabilizada pela prorrogação do contrato de locação que era por prazo determinado.
Com a vênia do entendimento esposado pelo MM. Julgador “a quo”, penso que assiste razão à ora recorrente, pois a prorrogação automática do contrato de locação avençado por prazo determinado sem a anuência dos fiadores não tem o condão de exonerá-los da garantia oferecida, situação que impunha o ajuizamento da competente ação de exoneração de fiança, a fim de obter-se o efeito liberatório pretendido. E não veio aos autos qualquer notícia nesse sentido.
O contrato de locação em apreço, consoante a sua cláusula décima terceira, obrigava os fiadores por todos os encargos até a real e efetiva desocupação do imóvel com a entrega das chaves à locadora, mesmo na hipótese de prorrogação por prazo indeterminado. E isto não significa a perpetuidade da garantia, pois poderia a fiadora, diante da prorrogação da locação, ter postulado a exoneração de fiança, mas não o fez. A exoneração só pode ocorrer por acordo ou sentença judicial, nos termos do art. 1.500 do CCB, não surtindo tal efeito mera notificação porventura efetuada pela fiadora. E este é o posicionamento da jurisprudência desta Corte.
Assim sendo, impõe-se a modificação parcial da sentença para reconhecer a inocorrência da exoneração de fiança na espécie. Por derradeiro, cumpre, ainda, referir a inaplicabilidade ao caso concreto do disposto no artigo 835 do novo Código Civil Brasileiro, em vigor desde o dia 11.01.2003, o qual somente se aplica às relações jurídicas posteriores a esta data, por não se tratar o referido dispositivo de norma processual, de ordem pública, a qual tem aplicação imediata, atentando-se, ainda, que os atos processuais são regidos pela lei do tempo em que são praticados, mas, no caso concreto, como se trata de direito material, vige a lei do tempo em que foi assinado o contrato de locação.
Afasto, também, a alegação de que teria sido concedida moratória à revelia da fiadora. A moratória, segundo a doutrina, somente restaria caracterizada em virtude de acordo entabulado entre locador e locatário, sem a participação dos fiadores, convencionando modalidade de pagamento parcelada de débito locatício, o que implicaria na desoneração da fiança prestada. E o inc. I do art. 838 do Código Civil de 2002 prevê expressamente a hipótese de o fiador se desobrigar da garantia por ele prestada, ficando extinta a fiança, se o credor conceder moratória ao devedor, sem o consentimento do fiador.
Nada veio aos autos nesse sentido e os aditamentos ocorridos em 19.12.1995 e em 31.07.2005 (fls. 11 e 14), embora sem a anuência expressa da fiadora não caracterizam concessão de moratória. Tal circunstância não se coaduna com quaisquer das hipóteses extintivas da fiança arroladas no dispositivo legal acima referido. Da mesma forma, no caso em concreto, inexiste comprovação de que tenha ocorrido novação sem a anuência dos fiadores. Além disso, meras alterações quanto ao valor do locativos e a forma de reajuste não constituem novação, pois para a caracterização da novação, impõe-se a presença do "animus novandi" (art. 361 do CCB).
A teor do artigo 360, inc. I, do Novo Código Civil/2002, só ocorre novação (objetiva) quando o devedor contrai com o credor nova obrigação, ou dívida, em substituição e extinção de uma anterior. Constituem requisitos indispensáveis para a ocorrência da novação: a) a existência de uma obrigação anterior, que se extingue com a constituição de nova, que a substitui; b) criação dessa nova obrigação, em substituição a anterior, que se extinguiu; e c) intenção de novar.
E, na hipótese vertente, os documentos juntados nas fls. 11 e 14 não podem ser considerados como novação contratual, a qual, uma vez caracterizada, necessitaria da anuência expressa dos fiadores. Destarte, não se pode falar em extinção da garantia prestada, porque não caracterizada a novação. Ademais, inviável e injusto pretender que os fiadores só fiquem responsáveis pelo valor originalmente pactuado. As atualizações, quer automáticas, quer decorrentes de acordo ou revisão judicial, estão previstas na legislação. Logo, o garante assume, ao firmar o contrato, o encargo de responder pelo que delas resultar.
A fiadora não trouxe aos autos prova de que o reajuste do valor do aluguel ultrapassou os limites da mera atualização monetária, não podendo ser considerado como novação contratual, a qual, esta sim, necessitaria de sua anuência expressa. Por derradeiro, observo que não se fazia necessária a notificação da demandada para a sua constituição em mora. O autor não está obrigado a constituir previamente em mora o inquilino ou o fiador como condição de procedibilidade à ação de despejo por falta de pagamento c/c cobrança ou para propor ação de execução de título extrajudicial diretamente contra o fiador, pois tal decorre da incidência do termo contratual ou legal sem a prova do pagamento.
E nenhum argumento novo foi trazido aos autos que pudesse modificar o entendimento acima deduzido. Diante do exposto, dou provimento ao recurso para julgar procedente o pedido de cobrança com relação à fiadora/requerida, condenando-a solidariamente ao pagamento do débito locatício juntamente com o locatário. É o voto.” Des. Angelo Maraninchi Giannakos (revisor) - De acordo. Des. Paulo Roberto Félix - De acordo. Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos - Presidente - Apelação Cível nº 70019550789, Comarca de Canoas: "Deram provimento ao recurso. Unânime.


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