– PEDRO LUSO DE CARVALHO
O contrato de locação de imóvel residencial normalmente é assinado por
prazo determinado de um ou dois anos, e, uma vez vencido o prazo, o contrato
passa a viger por tempo indeterminado, caso não haja manifestação em contrário
por parte dos contratantes. Neste caso, o que muda, na sua essência, é somente
o prazo que regula essa relação contratual, possibilitando, assim, a qualquer
das partes, manifestar-se a qualquer momento por sua resolução, que poderá ser
feita por meio de notificação judicial ou extrajudicial, sem quaisquer ônus
para os contratantes.
Mas, o que não se pode esquecer é que as demais obrigações contratuais
não serão alteradas quando a relação ex-locato
tiver sido alterada, no que diz respeito ao seu prazo de vigência. Neste caso,
não pode pairar dúvida quanto à permanência da garantia fidejussória, pois o
consenso para que a locação continue com o prazo indeterminado, em substituição
ao prazo original que atingiu o seu termo, não pode ser tido como novação, pois
se assim fosse extinguiria a fiança.
Permanecem, pois, intocadas todas as obrigações do fiador, assumidas quando se dispôs
a ser o garantidor da locação.
Caso o fiador não concorde em continuar figurando no contrato de
locação, como garantidor do pagamento da dívida, que passou a vigorar com prazo
indeterminado, poderá ajuizar ação de revogação da fiança. Caso não se
manifeste nesse sentido, o fiador continuará a figurar no contrato de locação na
condição de principal responsável pela dívida do afiançado, até que o imóvel
seja desocupado e a chave entregue ao proprietário do imóvel, nas mesmas
condições que o recebeu por ocasião da estipulação do contrato.
Aliás, esse foi o entendimento da Décima Quinta Câmara Civil do Tribunal
de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao julgar a Apelação nº 70019550789,
em 10 de outubro de 2007, que teve por relator o Des. Otávio Augusto de Freitas
Barcellos, como se vê pela sua ementa que segue:
[EMENTA] “Apelação cível. Locação. Ação de
despejo por falta de pagamento c/c cobrança. Desocupação do imóvel no curso da
lide. Contrato prorrogado por prazo indeterminado. Ônus da prova. Caso
concreto. Exoneração de fiança. Inocorrência. A responsabilidade do fiador pelo
pagamento dos locativos permanece até a efetiva desocupação do imóvel com a
entrega das chaves pelo locatário. Inaplicabilidade ao caso concreto do art.
835 do novo código civil. Moratória não caracterizada. Extinção da fiança.
Inexistência. Aditamentos contratuais. Novação inexistente. Notificação do
fiador para constituição em mora. Desnecessidade. Apelo provido. Unânime”.
Portanto, a Décima Quinta Câmara Cível deu provimento à apelação,
reformando a sentença recorrida, no sentido de não retirar os efeitos da
fiança, com o fundamento que consta no voto do relator, Des. Otávio Augusto de
Freitas Barcellos, como segue:
Ao que se observa dos autos, o contrato de
locação em discussão foi firmado pelo prazo determinado de doze meses, tendo
iniciado em 1º.12.94 e se prorrogado por prazo indeterminado. Restou
incontroverso nos autos que a locatária deixou de adimplir os aluguéis e encargos
a partir de 2001. A douta sentença, ora recorrida, julgou improcedente o feito
com relação à fiadora por entender que ela não poderia ser responsabilizada
pela prorrogação do contrato de locação que era por prazo determinado.
Com a vênia do entendimento esposado pelo MM.
Julgador “a quo”, penso que assiste razão à ora recorrente, pois a prorrogação
automática do contrato de locação avençado por prazo determinado sem a anuência
dos fiadores não tem o condão de exonerá-los da garantia oferecida, situação
que impunha o ajuizamento da competente ação de exoneração de fiança, a fim de
obter-se o efeito liberatório pretendido. E não veio aos autos qualquer notícia
nesse sentido.
O contrato de locação em apreço, consoante a
sua cláusula décima terceira, obrigava os fiadores por todos os encargos até a
real e efetiva desocupação do imóvel com a entrega das chaves à locadora, mesmo
na hipótese de prorrogação por prazo indeterminado. E isto não significa a
perpetuidade da garantia, pois poderia a fiadora, diante da prorrogação da
locação, ter postulado a exoneração de fiança, mas não o fez. A exoneração só
pode ocorrer por acordo ou sentença judicial, nos termos do art. 1.500 do CCB,
não surtindo tal efeito mera notificação porventura efetuada pela fiadora. E
este é o posicionamento da jurisprudência desta Corte.
Assim sendo, impõe-se a modificação parcial da
sentença para reconhecer a inocorrência da exoneração de fiança na espécie. Por
derradeiro, cumpre, ainda, referir a inaplicabilidade ao caso concreto do
disposto no artigo 835 do novo Código Civil Brasileiro, em vigor desde o dia
11.01.2003, o qual somente se aplica às relações jurídicas posteriores a esta
data, por não se tratar o referido dispositivo de norma processual, de ordem
pública, a qual tem aplicação imediata, atentando-se, ainda, que os atos
processuais são regidos pela lei do tempo em que são praticados, mas, no caso
concreto, como se trata de direito material, vige a lei do tempo em que foi
assinado o contrato de locação.
Afasto, também, a alegação de que teria sido
concedida moratória à revelia da fiadora. A moratória, segundo a doutrina,
somente restaria caracterizada em virtude de acordo entabulado entre locador e
locatário, sem a participação dos fiadores, convencionando modalidade de
pagamento parcelada de débito locatício, o que implicaria na desoneração da
fiança prestada. E o inc. I do art. 838 do Código Civil de 2002 prevê
expressamente a hipótese de o fiador se desobrigar da garantia por ele
prestada, ficando extinta a fiança, se o credor conceder moratória ao devedor,
sem o consentimento do fiador.
Nada veio aos autos nesse sentido e os
aditamentos ocorridos em 19.12.1995 e em 31.07.2005 (fls. 11 e 14), embora sem
a anuência expressa da fiadora não caracterizam concessão de moratória. Tal
circunstância não se coaduna com quaisquer das hipóteses extintivas da fiança
arroladas no dispositivo legal acima referido. Da mesma forma, no caso em
concreto, inexiste comprovação de que tenha ocorrido novação sem a anuência dos
fiadores. Além disso, meras alterações quanto ao valor do locativos e a forma
de reajuste não constituem novação, pois para a caracterização da novação,
impõe-se a presença do "animus novandi" (art. 361 do CCB).
A teor do artigo 360, inc. I, do Novo Código
Civil/2002, só ocorre novação (objetiva) quando o devedor contrai com o credor
nova obrigação, ou dívida, em substituição e extinção de uma anterior.
Constituem requisitos indispensáveis para a ocorrência da novação: a) a
existência de uma obrigação anterior, que se extingue com a constituição de
nova, que a substitui; b) criação dessa nova obrigação, em substituição a
anterior, que se extinguiu; e c) intenção de novar.
E, na hipótese vertente, os documentos
juntados nas fls. 11 e 14 não podem ser considerados como novação contratual, a
qual, uma vez caracterizada, necessitaria da anuência expressa dos fiadores.
Destarte, não se pode falar em extinção da garantia prestada, porque não
caracterizada a novação. Ademais, inviável e injusto pretender que os fiadores
só fiquem responsáveis pelo valor originalmente pactuado. As atualizações, quer
automáticas, quer decorrentes de acordo ou revisão judicial, estão previstas na
legislação. Logo, o garante assume, ao firmar o contrato, o encargo de
responder pelo que delas resultar.
A fiadora não trouxe aos autos prova de que o
reajuste do valor do aluguel ultrapassou os limites da mera atualização
monetária, não podendo ser considerado como novação contratual, a qual, esta
sim, necessitaria de sua anuência expressa. Por derradeiro, observo que não se
fazia necessária a notificação da demandada para a sua constituição em mora. O
autor não está obrigado a constituir previamente em mora o inquilino ou o
fiador como condição de procedibilidade à ação de despejo por falta de
pagamento c/c cobrança ou para propor ação de execução de título extrajudicial
diretamente contra o fiador, pois tal decorre da incidência do termo contratual
ou legal sem a prova do pagamento.
E nenhum argumento novo foi trazido aos autos
que pudesse modificar o entendimento acima deduzido. Diante do exposto, dou
provimento ao recurso para julgar procedente o pedido de cobrança com relação à
fiadora/requerida, condenando-a solidariamente ao pagamento do débito locatício
juntamente com o locatário. É o voto.” Des. Angelo Maraninchi Giannakos
(revisor) - De acordo. Des. Paulo Roberto Félix - De acordo. Des. Otávio
Augusto de Freitas Barcellos - Presidente - Apelação Cível nº 70019550789,
Comarca de Canoas: "Deram provimento ao recurso. Unânime.
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