19 de mai. de 2020

ENRICO FERRI – A significação dos fatos humanos




 PEDRO LUSO DE CARVALHO


ENRICO FERRI foi advogado criminalista, professor de Direito Penal, escritor e fundador, com Lombroso e Garofalo, da chamada Escola Positiva (criminologia moderna, com suas obras: A imputabilidade humana e a negação do livre arbítrio e Sociologia criminal (1884); Socialismo e Ciência Positiva (1894); Escola Positiva e Criminologia (1901); Sociologia Criminal (1905). Enrico Ferri nasceu em 1856, em San Benedetto Po, comuna (município) da província de Mântua, na região Lombardia, Itália, e faleceu em Roma, em 1929.
Escolhemos, mais um texto de Enrico Ferri, A significação dos fatos humanos, que integra o seu livro Discursos de Defesa, que está dividido em três partes: a) Amor e morte; b) Um caso de homicídio; c) Letras falsas. Lendo-se esses três discursos, vê-se claramente a faceta do grande orador do júri, que, com o poder mágico do seu verbo ardente, como diz Fernando de Miranda, subjugava, convencia e arrastava os auditórios, obtendo assim triunfos extraordinários em quase todos os Tribunais Criminais do seu país. Ferri foi também escritor consagrado, cujos textos tornaram-no célebre em todo o mundo, qualidade literária que pode ser aferida nos seus discursos de defesa e de acusação, pequena monografia, na forma de discursos forenses.
O texto que segue, A significação dos fatos humanos, é um capítulo de Um caso de homicídio - Defesa de Tullio Murri, no Tribunal Criminal de Turim, por Henrico Ferri, como segue:
Porque, se é certo que a morte de um homem é a maior infelicidade que pode acontecer a um ser humano, é inegável que o porquê da morte, o seu móbil, a causa que leva um homem a matar outro homem, tem uma força e um valor decisivos para o julgamento moral e para o julgamento penal.
Os atos da nossa vida, tanto em família como na sociedade, tanto na doce intimidade do lar como na exteriorização da vida pública, valem só por aquilo que os seus móbiles têm de nobres, escusáveis e humanos.
A própria caridade pode ser torpe, se torpe for o móbil qua determina, se quem pratica a caridade o faz para corromper o beneficiado, por vaidade, no desejo de conquistar louvores, ou tendo em vista interesses indiretos e pouco nobres. A caridade só é uma sublime manifestação do sentimento de fraternidade humana, quando o móbil do ato benéfico é humano, nobre e sincero.
Pois bem: aquilo que sucede nas manifestações da atividade benéfica do homem, sucede nas manifestações da sua atividade maléfica. O crime assume diversos valaores, e que devemos dar, por isso, uma diversa valoração moral, e até legal, à mesma materialidade do fato da morte de um homem, conforme a diversidade moral das causas que impulsionaram o outro homem a matar, conforme o móbil que constitui como que o espírito do fato material.
E para julgar humanamente, devemos libertar-nos, emancipar-nos da influência do sentimento imediato de repulsa, para podermos apreciar, serena e honestamente, as razões que podem ter imprimido numa criatura humana o ferrete indelével de ter morto um homem!
E, por isso, pergunto: se consideramos o crime de 28 de Agosto, em relação à responsabilidade material e moral de Tullio Murri, poderão os senhores jurados negar a si próprios a realidade incontestável desse fato que Tullio Murri não matou por interesse egoísta, que Tullio Murri não agiu como um móbil de utilidade pessoal, mas foi - talvez isto seja, porém, um exagero e um desvio de raciocínio - levado ao crime pelo seu grande afeto à irmã? E que ele, jovem, rico, com um nome glorioso, tudo sacrificou: fortuna, juventude, nome glorioso e futuro, unicamente porque, no seu espírito e no seu coração, pensou e sentiu que deveria salvar a irmã?
Ora isto é a verdade, a verdade incontestável, e não há eloquência, da acusação pública ou particular, mesmo quando chama 'figura ignóbil de assassino' a Tullio Murri, que consiga apagar do nosso espírito esse sentimento de profunda piedade, com que vemos um rapaz ser arrastado, por um móbil digno de desculpa e de compaixão, para o báratro insoldável da morte de um homem!


EFERÊNCIAS:
FERRI, Enrico, Discursos de Defesa. Tradução de Fernando de Miranda. 4ª ed. Coimbra, Portugal: Armênio Editor, Sucessor, 1981.

ALTAVILLA, Enrico. Psicologia Judiciária. Tradução de Fernando Miranda. 4ª ed. Coimbra



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