– PEDRO
LUSO DE CARVALHO
ENRICO
FERRI foi advogado criminalista, professor de Direito Penal, escritor
e fundador, com Lombroso e Garofalo, da chamada Escola
Positiva
(criminologia moderna, com suas obras: A
imputabilidade humana e a negação do livre arbítrio e
Sociologia
criminal
(1884); Socialismo
e Ciência Positiva
(1894); Escola
Positiva e Criminologia
(1901); Sociologia
Criminal
(1905). Enrico Ferri nasceu em 1856, em San Benedetto Po, comuna
(município) da província de Mântua, na região Lombardia, Itália,
e faleceu em Roma, em 1929.
Escolhemos,
mais um texto de Enrico Ferri, A significação dos fatos humanos,
que integra o seu livro Discursos
de Defesa,
que está dividido em três partes: a)
Amor e morte; b) Um caso de homicídio; c) Letras falsas.
Lendo-se esses três discursos, vê-se claramente a faceta do grande
orador do júri, que, com o poder mágico do seu verbo ardente, como
diz Fernando de Miranda, subjugava, convencia e arrastava os
auditórios, obtendo assim triunfos extraordinários em quase todos
os Tribunais Criminais do seu país. Ferri foi também escritor
consagrado, cujos textos tornaram-no célebre em todo o mundo,
qualidade literária que pode ser aferida nos seus discursos
de defesa
e de
acusação,
pequena monografia, na forma de discursos forenses.
O texto que
segue, A
significação dos fatos humanos,
é um capítulo de Um
caso de homicídio
- Defesa de Tullio Murri, no Tribunal Criminal de Turim, por Henrico
Ferri, como segue:
Porque, se
é certo que a morte de um homem é a maior infelicidade que pode
acontecer a um ser humano, é inegável que o porquê da morte, o seu
móbil, a causa que leva um homem a matar outro homem, tem uma força
e um valor decisivos para o julgamento moral e para o julgamento
penal.
Os atos da
nossa vida, tanto em família como na sociedade, tanto na doce
intimidade do lar como na exteriorização da vida pública, valem só
por aquilo que os seus móbiles têm de nobres, escusáveis e
humanos.
A própria
caridade pode ser torpe, se torpe for o móbil qua determina, se quem
pratica a caridade o faz para corromper o beneficiado, por vaidade,
no desejo de conquistar louvores, ou tendo em vista interesses
indiretos e pouco nobres. A caridade só é uma sublime manifestação
do sentimento de fraternidade humana, quando o móbil do ato benéfico
é humano, nobre e sincero.
Pois bem:
aquilo que sucede nas manifestações da atividade benéfica do
homem, sucede nas manifestações da sua atividade maléfica. O crime
assume diversos valaores, e que devemos dar, por isso, uma diversa
valoração moral, e até legal, à mesma materialidade do fato da
morte de um homem, conforme a diversidade moral das causas que
impulsionaram o outro homem a matar, conforme o móbil que constitui
como que o espírito do fato material.
E para
julgar humanamente, devemos libertar-nos, emancipar-nos da influência
do sentimento imediato de repulsa, para podermos apreciar, serena e
honestamente, as razões que podem ter imprimido numa criatura humana
o ferrete indelével de ter morto um homem!
E, por
isso, pergunto: se consideramos o crime de 28 de Agosto, em relação
à responsabilidade material e moral de Tullio Murri, poderão os
senhores jurados negar a si próprios a realidade incontestável
desse fato que Tullio Murri não matou por interesse egoísta, que
Tullio Murri não agiu como um móbil de utilidade pessoal, mas foi -
talvez isto seja, porém, um exagero e um desvio de raciocínio -
levado ao crime pelo seu grande afeto à irmã? E que ele, jovem,
rico, com um nome glorioso, tudo sacrificou: fortuna, juventude, nome
glorioso e futuro, unicamente porque, no seu espírito e no seu
coração, pensou e sentiu que deveria salvar a irmã?
Ora isto é
a verdade, a verdade incontestável, e não há eloquência, da
acusação pública ou particular, mesmo quando chama 'figura ignóbil
de assassino' a Tullio Murri, que consiga apagar do nosso espírito
esse sentimento de profunda piedade, com que vemos um rapaz ser
arrastado, por um móbil digno de desculpa e de compaixão, para o
báratro insoldável da morte de um homem!
EFERÊNCIAS:
FERRI,
Enrico, Discursos
de Defesa.
Tradução de Fernando de Miranda. 4ª ed. Coimbra, Portugal: Armênio
Editor, Sucessor, 1981.
ALTAVILLA,
Enrico. Psicologia
Judiciária.
Tradução de Fernando Miranda. 4ª ed. Coimbra
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