GAZETA DO DIREITO
Pedro Luso de Carvalho
10 de mar. de 2023
HISTÓRIA DO PROCESSO CIVIL – PARTE III
4 de nov. de 2022
HISTÓRIA DO PROCESSO CIVIL – PARTE II
22 de ago. de 2022
HISTÓRIA DO PROCESSO CIVIL – PARTE I
27 de jul. de 2022
A História do Código Civil de 1916
19 de abr. de 2022
EDUARDO COUTURE - 10º Mandamento - Ama A Tua Profissão
- Pedro Luso de Carvalho
Nos dias atuais, o brasileiro surpreende-se com as notícias que recebe pelos meios de comunicação sobre desvio de conduta, na sociedade brasileira, de muitos de seus representantes, os políticos, a partir do Congresso Nacional, descendo para outras casas legislativas de muitos Estados-Membros do país, atingindo, por fim, tais atos contrários à lei e à ética, as câmaras de vereadores, em muitos de seus municípios.
A estupefação do povo, pelo que ocorre no Brasil, também no Poder Judiciário, o deixa desesperançado, já que este poder era o seu último alento; juízes de direito, de primeiro e segundo grau, também aparecem nesse cenário de degradação moral, sem falar no que se passa com o Poder Executivo, no qual não se tem parâmetro para ser medido o comprometimento com o crime de seus servidores, em todos os seus escalões.
E, para tristeza e decepção dos bons advogados, estes vêm colegas seus denunciados pela prática de crimes contra os quais deveriam estar denunciando, em defesa da sociedade; daí ter-me lembrado dos ensinamentos de um dos grandes processualistas sul-americano, o uruguaio Eduardo Juan Couture (1904-1956), nome conhecido em muitos países, professor de Processo Civil, Decano da Faculdade de Direito de Montevidéu, autor do projeto do Código de Processo Civil do Uruguai (1945), e autor, ainda, de Fundamentos do Direito Processual Civil e de Os Mandamentos do Advogado; deste, transcreveremos o seu 10º Mandamento (COUTURE, Eduardo. Os Mandamentos do Advogado. Tradução de Ovídio Baptista da Silva e Carlos Otávio Athayde. Sérgio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1979, p. 71-73) qual seja, "Ama a tua profissão", como segue:
[ESPAÇO DO 10º MANDAMENTO]
"AMA A TUA PROFISSÃO"
(Eduardo Couture)
Seja-nos permitido ilustrar o último mandamento com uma parábola. Conta Péguy que um dia ficou impressionado vendo sua mãe consertar uma cadeira. Era tal o esmero, o escrúpulo, a amorosa atenção, com que executava sua tarefa, que o filho manifestou-se admirado. A mãe, então, lhe disse: o amor pelas coisas bem-feitas deve acompanhar-nos por toda a vida; as partes invisíveis das coisas devem reparar-se com o mesmo escrúpulo com que se cuidam as partes visíveis; as catedrais de França são as catedrais de França porque o amor com que se fez o ornamento externo é o mesmo amor com que foram feitas as partes invisíveis.
Isso mesmo acontece em todos os atos da vida. O amor à profissão eleva-a a dignidade de uma arte. O amor por si só transforma o trabalho em criação; a tenacidade, em heroísmo; a fé, em martírio; a concupiscência, em nobre paixão, a luta, em holocausto; a cobiça, em prudência; o lazer, em êxtase; a ideia, em dogma; o amor-próprio, em sacrifício; a vida, em poesia.
Quando o advogado chega a ponto de aconselhar seu filho, no dia decisivo em que deve orientá-lo sobre seu futuro, que siga sua própria profissão, é porque encontrou nela algo mais que um simples ofício. Ofício, queremos para nós mesmos; mas para nosso filho almejamos, se possível, a glória.
A advocacia não é certamente um caminho glorioso. É feito, como todas as coisas humanas, de sacrifícios e de exaltações, de amarguras e esperanças, de desenganos e renovadas ilusões. Entretanto, é grande virtude entrever nela esse pequeno fio de ouro da glória que desejamos para nosso filho.
Coloquemos, nesse dia, a mão sobre seu ombro, e digamos-lhe: procura aqui, meu filho, o bem e a virtude que almejo para tua vida; e, sobretudo, faz pela defesa de teus semelhantes, na causa da justiça, tudo aquilo que eu quis fazer e a vida não me permitiu!
Terás com isso um pouco de glória e muita angústia. Mas está escrito na lei da vida que é este o preço que se paga pela própria vida. Já estava Expresso nos versos que o coro dirige a Wilhelm Meister, no poema imortal: Sê bem-vindo jovem noviço! Sê bem-vindo ao sacrifício!"
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26 de mar. de 2022
EDUARDO COUTURE - 9º Mandamento - Esquece
por Pedro Luso de Carvalho
O 9º Mandamento (“Esquece") do importante processualista uruguaio, Eduardo Couture, diz no seu intróito: “A advocacia é uma luta de paixões”. Esse é, sem dúvida, um fato que não é desconhecido dos advogados que passam boa parte de suas vidas debruçados sobre livros e processos na árdua luta visando a fundamentação adequada das teses que defendem, e, também, para fazer uma correta leitura dos autos na tentativa de encontrar algum indício neste ou naquele documento juntado pela parte contrária para, igualmente, valer-se dele para sustentar a tese de que o direito de seu cliente não foi respeitado pela parte contrária.
Eduardo Couture não se limita a fazer menção sobre essa luta de paixões; mostra nessa introdução ao seu penúltimo mandamento, o que pode ser feito pelo advogado para manter-se distante de aborrecimentos que tais embates podem proporcionar à sua saúde, dizendo: “Se a cada batalha fores carregando tua alma de rancor, chegará o dia em que a vida será impossível para ti. Terminado o combate, esquece logo tanto a vitória quanto a derrota”. Não se pode dizer que Couture esteja errado no que aconselha, visto que os problemas emocionais sempre deixam portas abertas para doenças oportunistas.
Passemos, pois, ao tema do 9º Mandamento de Eduardo Couture, intitulado “Esquece” (COUTURE, Eduardo. Os Mandamentos do Advogado. Tradução de Ovídio A. Baptista da Silva e Carlos Otávio Athyde. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1979), como segue, na íntegra:
[ESPAÇO DO 9º MANDAMENTO]
"E S Q U E C E"
(Eduardo Couture)
Para que o círculo do inferno irão um dia aqueles advogados que nos recitam, inclementes, às vezes agarrando-nos pelo casado, levantando-nos a voz como se fossemos o adversário, suas alegações, suas razões ou seus memoriais?
E que lugar do purgatório estará reservado àqueles que na velhice seguem contando ainda questões que sustentaram na juventude?
Em que lugar do paraíso espera os diretores das revistas de jurisprudência que se recusam a publicar as notas críticas daqueles que confundem as publicações jurídicas com uma terceira ou quarta instância?
A verdade é que existe uma insidiosa enfermidade que ataca aos advogados e os faz constantemente de suas causas, mormente daquelas que, por uma ou outra razão, nasceram para serem esquecidas.
Os pleitos, diz o provérbio, defendem-se como próprios e perdem-se como alheios.
Também a advocacia tem o seu fair play, que consiste não só no comportamento leal e correto durante a luta, mas também no acatamento respeitoso às decisões do juiz.
O advogado que segue discutindo depois da coisa julgada em nada difere do atleta que, terminado o prélio, pretende permanecer no campo de jogo tentando obter, contra um inimigo inexistente, uma vitória que lhe fugiu das mãos.
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17 de mar. de 2022
EDUARDO COUTURE / 8º Mandamento - Ter Fé
EDUARDO COUTURE / 8º Mandamento - Ter Fé
- por Pedro Luso de Carvalho
A meu ver, a Ordem dos Advogados do Brasil é a instituição que mais tem se destacado, ao longo dos anos, na defesa das liberdades individuais e na defesa das demais instituições, sobre as quais estão sedimentadas as bases essenciais para que o nosso país possa figurar como Estado, e, como tal, defender a sua soberania e o direito de cada brasileiro.
É sabido que o Brasil vive uma crise quase insuportável em razão da corrupção dos seus políticos e dos cidadãos comuns que com eles praticam atos contrários às leis vigentes, tanto civil como penal, visando tão-somente o enriquecimento fácil, nos seus negócios espúrios, que sempre acabam resultando em impunidade. Vemos não apenas o desrespeito às nossas leis, como também total indiferença à Ética e à Moral.
Em razão de todo esse lamaçal, que é a política brasileira, dos políticos que são corrompidos e dos homens de 'negócios', que os corrompem às nossas vistas, que a eles entregam dinheiro, que logo são colocados por eles em suas meias, bolsos e cuecas. [Se tais crimes fossem cometido nos Estados Unidos (EUA), na Europa, no Japão, na China, os seus contribuintes saberiam que, uma vez julgados, prolatada a sentença condenatória, a pena seria cumprida na sua integralidade].
Por todo o exposto, e por ainda acreditar que podemos contar com a Ordem dos Advogados, nessa luta quase inglória em razão do alto grau de corrupção em todas as esferas políticas do Brasil, é que escolhi para esta postagem o 8º Mandamento, de Eduardo Couture (Os Mandamentos do Advogado, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1979):
[ESPAÇO DO 8º MANDAMENTO]
"T E R F É"
(Eduardo Couture)
Cada advogado, em sua condição de homem, pode ter a fé que sua consciência lhe indique. Porém, em sua condição de advogado, deve ter fé no direito, porque até agora o homem não encontrou , em sua longa e comovente aventura sobre a terra, nenhum instrumento que melhor lhe assegure a convivência. A razão do mais forte não é somente a lei da brutalidade, mas também a lei da inconstante incerteza.
Mas o direito, como vimos, não é um valor em si mesmo, nem a justiça é seu conteúdo necessário. O preceito não visa à justiça, mas à ordem; a transação não lhe assegura a justiça, mas a paz; a coisa julgada não é um instrumento de justiça, mas de autoridade; a pena nem sempre é medida de justiça, mas de segurança.
Mesmo assim, apesar desses desvios temporais, a justiça é o conteúdo 'normal' do direito, e suas soluções, ainda que aparentemente injustas, são frequentemente mais justas que as soluções contrárias.
A fé na paz provém da convicção de que também a paz é um valor na ordem humana. Substitutivo bondoso da justiça, convida a renunciar às vezes a uma parte dos bens, para assegurar aquilo que foi prometido na terra aos homens de boa vontade.
Quanto à fé na liberdade, sem a qual não há direito, nem justiça, nem paz..., essa não necessita explicações, entre os mandamentos do advogado. Se este não tem fé na liberdade, melhor seria, como diz a Escritura, atar uma pedra ao pescoço e lançar-se ao mar.
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10 de mar. de 2022
EDUARDO COUTURE - 7º Mandamento - Ter Paciência
EDUARDO COUTURE - 7º Mandamento - Ter Paciência
por Pedro Luso de Carvalho
TER PACIÊNCIA, é o 7º Mandamento do Advogado, escrito por Eduardo Couture (“O tempo vinga-se das coisas que se fazem sem a sua colaboração” - diz Couture). Sabem todos os advogados experientes, presumo, que a paciência é, como diz o mestre processualista uruguaio, indispensável para que a advocacia possa ser exercida com dignidade e eficiência.
Sem paciência o advogado poderá deixar de ouvir de seu constituinte fatos importantes para a elaboração da ação a ser ajuizada. Elementos probantes essenciais não podem escapar da argúcia do advogado, pois, sabemos, a petição inicial não pode ser emendada depois da citação do réu.
Esse zelo, por parte do advogado, que é indispensável para o êxito do pedido, como também o é quando se tratar da resposta do réu, que, como ocorre com a peça inicial, não prescinde de estudo profundo dos fatos e de acurada análise dos documentos, que são oferecidos pelo constituinte. E, tanto para a elaboração da peça inicial como da resposta do réu, a paciência também ajudará nas respectivas fundamentações de Direito, com base na lei, na jurisprudência e na doutrina.
Passemos, pois, À transcrição na íntegra de mais um Mandamento do Advogado, de autoria do jurista uruguaio, EDUARDO COUTURE:
[ESPAÇO DO 7º MANDAMENTO]
"TER PACIÊNCIA"
(Eduardo Couture)
“O tempo vinga-se das coisas que se fazem sem a sua colaboração”.
Existe um pequeno demônio – diz Couture – que ronda e persegue os advogados e a cada dia põe em perigo sua missão: a impaciência.
A advocacia requer muitas virtudes; mas, além disso, como as fadas que cercavam o berço do Príncipe de França, tais virtudes devem ser assistidas por outra que as faça habitualmente atenuantes.
Paciência, para escutar. Cada cliente considera seu caso o mais importante do mundo.
Paciência para encontrar a solução. Esta nem sempre aparece à primeira vista e é mister procurá-la durante muito tempo.
Paciência para suportar o adversário. Já vimos que lhe devemos lealdade e tolerância, ainda quando ele seja importuno e néscio.
Paciência para aguardar a sentença. Esta demora e, enquanto o cliente desanima e desespera, cabe ao advogado manter-lhe a esperança. Nessa missão, deve ter presente que o litígio, como a guerra, é ganho em certos casos por aquele que consegue aguentar tão-só um minuto a mais que seu adversário.
E, sobretudo, paciência para suportar a sentença adversa.
A coisa julgada, como disse Chiovenda, é a máxima conclusão. Acrescentemos nós que, por tal motivo, exige a máxima paciência.
REFERÊNCIA:
COUTURE, Eduardo. Os Mandamentos do Advogado. Trad. de Ovídio A. Baptista da Silva e Carlos Otávio Athyde. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1979, p. 59-60
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27 de jan. de 2022
EDUARDO COUTURE / 6º Pensamento - Tolera
EDUARDO COUTURE / 6º Pensamento - Tolera
- por Pedro Luso de Carvalho
Dentre as muitas preocupações do advogado, quando se propõe a defender os interesses de seu constituinte, uma delas é aparentemente de pouca importância, qual seja, a de deixar transparecer que é e será fiel a quem o contratou. Particularmente, acredito que essa lealdade ao cliente é a conduta que acaba prevalecendo. Mas, não escondo que nem sempre a conduta de alguns advogados é a de lealdade a quem, mediante pagamento, espera que a lei seja aplicada em seu benefício.
Também sempre senti que o cliente nunca acredita totalmente no seu advogado. Sempre haverá de perguntar a um amigo a um juiz ou a outro advogado se a medida tomada por quem a defende está correta. E mais: se é dele a culpa de o processo levar muito tempo para ser julgado de forma definitiva. Não raras vezes ouvi pessoas perguntarem se o seu adversário na lide tem algum conhecido no fórum e está intercedendo em seu favor, de forma a prejudicar o andamento do processo.
Já tive a oportunidade de presenciar, em audiência de instrução e julgamento, o modo de agir do advogado que possivelmente está recebendo essa carga negativa de seu cliente, por desconfiar não apenas de sua competência mas também de sua lealdade. E é justamente por isso que, nessas audiências, o advogado fica exposto à critica ao opor-se ao seu colega que aí representa a outra parte, com risos sarcásticos ou interferências verbais desajustadas e contrárias às normas vigentes quanto a atuação desse profissional. Acredito que por esse motivo o jurista Eduardo Couture tenha escrito o 6º Mandamento do Advogado: "TOLERA- Tolera a verdade alheia, como gostarias que a tua fosse tolerada".
Passemos, pois, à transcrição na integra desse 6º Mandamento do Advogado, escrito por Eduardo Couture (in COUTURE, Eduardo. Os Mandamentos do Advogado. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor), como segue:
[ESPAÇO DO 6º MANDAMENTO]
T O L E R A"
(Eduardo Couture)"
6º – TOLERA – Tolera a verdade alheia, como gostarias que a tua fosse tolerada.
Esta questão é grave e delicada. Ser ao mesmo tempo enérgico, como o requer a defesa, e cortês, como exige a educação; prático, como impõe o litígio, e sutil, como o reclama a inteligência; eficaz e respeitoso; combativo e digno. Ser, ao mesmo tempo, tão diferente e, às vezes, tão contraditório, em todos os dias do ano e em todos os momentos, na adversidade e na bonança, constitui realmente um prodígio.
E, não obstante – prossegue Couture -, a advocacia assim o impõe. Ai daquele que a exerce com energia e sem educação, ou com cortesia, mas sem eficiência!
Para conciliar o contraste só há um meio: a tolerância. Esta é educação e inteligência, arma de ataque e escudo de defesa, lei de combate e regra de equidade.
Ainda que apareça inacreditável – diz Couture -, o certo é que no litígio ninguém tem razão antes da coisa julgada. Não há litígios ganhos de antemão. Basta, para tanto, lembrar a história de luta de Golias e David. Não há litígio ganho de antemão, devido à singela razão pela qual Golias incidiu em arrogância ao considerar-se antecipadamente vencedor na histórica luta.
O litígio é feito de verdades contingentes e não de verdades absolutas. Os fatos mais claros se deformam, se não se logra produzir uma prova plenamente eficaz; o direito mais incontroverso abala-se no decurso da demanda, ante uma inesperada e imprevisível mudança de jurisprudência.
Daí porque a melhor regra profissional não é aquela que promete a vitória, mas a que informa ao cliente que provavelmente se poderá contar com ela. Nem mais nem menos do que isso era o que estabelecia o Fuego Juzgo, ao cominar a pena de morte ao advogado que se comprometia a triunfar na causa; ou a Terceira Partida que impunha perdas e danos ao advogado que assegurasse a vitória a seu cliente.
As verdades jurídicas, como se fossem de areia, dificilmente se podem conter todas na mão; sempre existirão alguns grãos que, queiramo-lo ou não, nos escaparão por entre os dedos e irão parar nas mãos de nosso adversário. A tolerância nos obriga, por respeito ao próximo e a nossa própria fraqueza, a proceder com fé na vitória, porém sem arrogância no combate.
E se o cliente nos exige garantia de vitória?
Nesse caso – conclui Couture -, apelemos para nossa biblioteca e retiremos dela um escrito singelo, denominado Decálogo do cliente, muito comum nos escritórios de advogados brasileiros e mostremos a esse cliente: “Não peças a teu advogado que faça profecia da sentença; não esqueças de que, se fora profeta, ele não abriria escritório de advocacia.”
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REFERÊNCIA
COUTURE, Eduardo. Os Mandamentos do Advogado. Tradução de Ovídio Baptista da Silva e Carlos Otávio Athayde. Sérgio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1979, p. 53-55.
22 de dez. de 2021
EDUARDO COUTURE / 5º Mandamento - Sê Leal
- por Pedro Luso de Carvalho
Neste 5º Mandamento do Advogado, intitulado Sê Leal, Eduardo Couture, professor e jurista uruguaio internacionalmente conhecido, que lecionou em vários países, no Brasil, inclusive, autor do Código de Processo Civil do Uruguai, em 1945, e também autor de livros jurídicos, justifica plenamente o seu imenso prestígio, embora tenha falecido há algumas décadas. Aqui, Couture sintetiza qual deve ser o comportamento do advogado, no plano da lei e da ética, em relação ao seu cliente, ao seu adversário e ao juiz.
Escreve sobre a lealdade que deve nortear o comportamento do advogado em relação a ambos. Depois da síntese sobre o dever do advogado em ser leal, Couture trata com profundidade cada um dos tópicos do 5º Mandamento. E mais: diz quando o advogado atua como tal, e quando deixa de ser advogado para tornar-se defensor.
Passemos, pois, ao 5º Mandamento (Sê Leal), que é, entre os outros nove, um dos mais importantes, no meu entender. Após, segue a transcrição do desdobramento que Couture faz sobre esse Mandamento, uma importante lição, sem dúvida, para advogados, juízes (In Couture, Eduardo. Os Mandamentos do Advogado. Tradução de Ovídio Baptista da Silva e Carlos Otávio Athayde. Sérgio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1979, págs. 45-50):
[ESPAÇO DO 5º MANDAMENTO]
"SÊ LEAL"
(Couture)
5º Mandamento - Leal para com teu cliente, a quem não deves abandonar a não ser que percebas que é indigno de teu patrocínio. Leal para com o adversário, ainda quando ele seja desleal contigo. Leal para com o juiz, que ignora os fatos e deve confiar no que tu lhe dizes.; e que, mesmo quanto ao direito, às vezes tem de confiar que, no que tu lhe invocas.
No que se refere à lealdade do advogado, impõe-se retificar um erro grave e difundido. Há séculos, se vêm confundido, como se fossem a mesma função, a advocacia e a defesa.
Unamuno, no El sentimiento trágico de la vida, escrevia estas palavras: “O peculiar e característico da advocacia é pôr a lógica a serviço de uma tese a ser defendida, enquanto o método rigorosamente científico parte dos fatos, dos dados que a realidade nos oferece, para chegar ou não a uma conclusão. A advocacia supõe sempre uma petição de princípios, e seus argumentos são todos ad probandum. O espírito advocatício é, em princípio, dogmático, enquanto o espírito estritamente científico é puramente racional e cético, isto é, investigador”.
Dessa proposição, à de Vaz Ferreira – quando afirma, em Moral para intelectuales, que a profissão do advogado é intrinsecamente imoral, porquanto impõe a defesa de teses não totalmente corretas, ou de fatos não totalmente conhecidos – não há mais que um passo.
O erro é grave, porque a advocacia não é dogmática. A advocacia é arte, e a arte não tem dogmas.
A advocacia é cética e investigadora. O advogado ao aconselhar, ao orientar a conduta alheia, ao assumir a defesa, começa por investigar os fatos e decidir livremente sobre a própria conduta. A advocacia moderna como a Medicina, faz-se cada dia mais preventiva que curativa. Nessa atividade, o advogado não procede dogmaticamente, mas, ao contrário, criticamente. O advogado, como conselheiro, não dá argumentos ad probandum, mas ad necessitatem. Estes não são sistemáticos nem corroborantes, mas se apoiam sobre dados que, necessariamente, a realidade lhe fornece.
O que acontece é que o advogado, uma vez examinado os fatos e estudado o direito, aceita a causa e então se transforma de advogado em defensor.
Aí, sim, a sua posição é definitiva, transformando-se em enérgico e intransigente defensor de suas atitudes. Mas isso não ocorre por imoralidade, senão por uma contingência da própria defesa. Antes de aceitar a causa, o advogado tem liberdade para decidir. Aceitando-a, porém, sua lei não é mais da liberdade, e sim da lealdade.
Se o defensor permanecesse cético e vacilante depois de haver aceito a defesa, deixaria de ser um defensor. A luta judiciária é uma luta de afirmações e não de vacilações. As dúvidas devem ocorrer antes, não depois de haver aceito a causa.
A lealdade do defensor para com seu cliente deve ser constante e não deve faltar senão quando ele se convença de haver-se enganado ao aceitar a causa. Nesse caso, deve renunciar à defesa, com a máxima discrição possível, para não criar embaraço ao advogado que deve substituí-lo.
O instante mais decisivo para essa lealdade ocorre no momento de receber os honorários. O grave nas relações entre advogado e cliente é que, instantaneamente, de um dia para outro, a natureza das coisas transforma o defensor em credor. Nesse dia, não se deve lançar o escudo ao solo, para que o cliente o empunhe em defesa contra seu novo inimigo. A esse respeito, os Mandamentos silenciam. Trata-se de um problema de consciência. Já dizia Montaigne: a amizade perfeita é indivisível.
Quanto à lealdade para com o adversário, pode ser traduzida nesta simples reflexão: se às astúcias da outra parte e às suas deslealdades, respondêssemos com outras deslealdades e astúcias, a demanda já não seria uma luta de um homem honrado contra outro manhoso, mas a luta de dois desonestos.
E quanto à lealdade para com o juiz? Também aqui se impõe uma retificação.
Ossorio, em seu livro famoso, faz uma distinção com referência aos deveres do advogado para com o juiz. Quanto aos fatos, considera ele que o juiz está indefeso ante o advogado. Como os ignora, forçosamente há de crer de boa-fé no que o advogado lhe diz. Porém, quanto ao direito, isso não ocorre. Aqui, eles atuam em pé de igualdade, porque o juiz sabe o direito e, senão o sabe, que o estude.
Será assim? É muito provável que não. O advogado dispõe de todo o tempo que deseja para estudar o direito aplicável ao caso. Mas o juiz, vítima de uma tela de Penélope, que ele tece à noite e o escrivão desmancha de dia, apresentando-lhe, sem cessar, processos e mais processos, não dispõe desse tempo. E o mesmo acontece com o juiz honradamente pobre, que não pode comprar todos os livros que se publicam; ou com o que exerce seu mister longe dos grandes centros, onde se encontram as boas bibliotecas; ou com o que não pode manter contato com professores e mestres para expor-lhes suas dúvidas; ou com o que, carente de saúde não pode dedicar-se à leitura com a intensidade desejada. Nestes casos, uma citação deliberadamente mutilada, uma opinião desvirtuada, uma tradução maliciosamente feita, ou um precedente jurisprudencial difícil de conferir, constituem grave deslealdade.
Uma feliz filiação etimológica - conclui Couture - liga lei a lealdade. Aquilo que Quevedo dizia do espanhol, que, sem lealdade, mais valerá não sê-lo, é aplicável ao advogado. Advogado que trai a lealdade, trai a si mesmo e à lei.