por Pedro Luso de Carvalho
O talento da oratória e a disposição para a luta sem tréguas em prol da
justiça social constituíam-se em alguns dos traços da forte personalidade de
Rui Barbosa, qualidades essas que não poderia levá-lo para outro caminho que
não o da política, na qual ingressa pelo Partido Liberal, que consagra seu nome
como deputado provincial, na Bahia, sua terra natal, no ano de 1878.
Em dezembro de 1881, com a mulher e as três filhas, o deputado geral Rui
Barbosa, reeleito, deixa a Bahia com destino ao Rio de Janeiro, em busca de
melhores oportunidades para poder melhor explorar sua inteligência e talento,
sua cultura e sua inclinação para as lutas sociais.
Como o fim a que nos propomos é apresentar a carta de Rui para Pinheiro
Machado, damos um salto no tempo para a data em que se realizou a campanha
política e a eleição para a presidência da República, em 1910, tendo por
contendores Rui Barbosa e Hermes da Fonseca, à vista do término do mandato do
presidente de Afonso Pena.
Nessa época era Pinheiro Machado o homem mais forte da política
brasileira; por cerca de quinze anos esse político gaúcho (vice-presidente do
Senado) foi o nome mais importante da política brasileira. E foi justamente ele
que arquitetou a vitória fraudulenta da eleição de Hermes da Fonseca, com
manipulação dos resultados, dando como vencedor o seu candidato em detrimento
de Rui, que, como mais tarde demonstrou à Nação, foi quem legitimamente foi
eleito presidente da República, sem, no entanto, ter assumido ao cargo.
Anos mais tarde, depois do desastre que foi o governo de Hermes da
Fonseca, o nome de Rui Barbosa foi lançado novamente para concorrer à presidência
da República, desta vez sem o seu consentimento, fato que o revoltou e o fez
sobre ele manifestar-se por carta endereçada ao todo-poderoso Pinheiro
Machado.
Segue a “Carta de Rui Barbosa a
Pinheiro Machado” (in Roteiro Literário de Portugal e do Brasil, 2ª ed.,
Álvaro Lins e Aurélio Buarque de Hollanda, Rio de Janeiro, 1966, vol. II, p.
206-207, in verbis:
[ESPAÇO DA CARTA]
CARTA A PINHEIRO MACHADO
(Rui Barbosa)
Exmo. amigo Sr. Senador Pinheiro Machado.
No conflito de interesse e personalidades, que, em torno da eleição
presidencial, tão cedo começa, e de um modo tão desusado, vejo envolvido o meu
nome, como um dos pretendentes. Há nisto um equívoco, a que me empenho em pôr termo,
peremptoriamente.
Não sou candidato à presidência da República, nem consinto que mo façam.
Se amigos meus há, que tenham o pensamento de semelhante iniciativa, em nome da
amizade e seus direitos, eu lha desaprovo e lha proíbo. Não quero complicá-los
em dificuldades inúteis, nem concorrer para maior abatimento de nossa terra com
a agravação com o espetáculo desta contenda estéril, a que a nação assiste
estranha e indiferente, pelo posto da nossa magistratura suprema.
Considero o país na iminência de dias bem sombrios. Alguma coisa
extremamente grave de nós se aproxima, que a cegueira geral não enxerga. Reputo
insustentável a situação de anarquia, financeira, política e moral, em que nos
debatemos. Daí o que vai sair, não sei; mas não há de ser o que os descuidados
supõem.
Em circunstâncias tais, só inconscientes ou predestinados poderão nutrir
ambições. Eu nunca as tive: muito menos as teria agora.
Candidato à presidência da República, só me animaria a sê-lo, se um
movimento da opinião pública mo impusesse. Tal honra, porém, nunca imaginei
merecer. A outra, a da candidatura oficial, repugna às minhas convicções e aos
meus compromissos. Com os do meu longo passado de luta pela verdade
constitucional, com o terrível sentimento da responsabilidade, que, no meu
espírito, se associa a todas as missões de ordem superior, na vida pública, e
com a intuição do nosso futuro iminente, um homem do meu temperamento e da
minha educação política só a uma coisa pode pretender, neste momento e nestas
condições: à liberdade, a que vou tornar, de servir ao nosso país como
costumava, com toda a minha consciência, independentemente, segundo as
exigências de cada oportunidade.
Escrevo-lhe estas linhas refletida e serenamente, com a satisfação de
quem se desobriga de um dever dos mais gratos, e com o mais decidido empenho de
que nelas se respeite a minha resolução definitiva, à qual buscarei dar
publicidade, para que o pleito entre os elementos interessados siga doravante
sem estorvo na hipótese importuna de meu nome.
Creio que este incidente, meu caro amigo, acabará de lhe mostrar que, na
vida pública, não palpita senão pela nossa pátria o coração do seu sincero e
obrigado amigo.
RUI BARBOSA
(Cartas Políticas e Literárias,
Bahia, 1919, págs. 133-135.)
REFERÊNCIAS:
AMARAL, Márcio Tavares.
Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Editora Três, 1974.
LINS, Álvaro e BUARQUE DE
HOLLANDA, Aurélio; Roteiro Literário de Portugal e do Brasil. Rio de Janeiro:
Editora Civilização Brasileira, 1966, vol. II, p. 206-207
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