25 de set. de 2024

CLÓVIS BEVILÁQUA – Entrevista a João do Rio




- Pedro Luso de Carvalho


CLÓVIS BEVILÁQUA, um dos nossos maiores jurista, enviou carta do Recife para JOÃO DO RIO, no Rio de Janeiro, com respostas para uma entrevista que foi publicada no seu célebre Momento Literário, do jornal carioca, Gazeta de Notícias.

JOÃO DO RIO era um dos pseudônimos usados por João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, jornalista e escritor. O escritor faleceu quando contava com 39 anos, mas foi tempo suficiente para que tivesse produzido uma importante obra literária; isso se deveu, entre outros motivos, de ter se iniciado cedo no jornalismo - com apenas 16 anos. Escreveu para revistas e para o jornal Cidade do Rio, de José do Patrocínio. Depois, na Gazeta de Notícias, dou início às excelentes entrevistas; e, por meio desses veículos gráficos, distinguiu-se com crítico literário.

No trecho da entrevista concedida a João do Rio, para publicação na sua coluna Momento Literário, do jornal carioca Gazeta de Notícias, Clóvis Beviláqua discorre sobre o seu interesse pela ciência do Direito e faz referência às pessoas que lhe influenciaram, dentre eles, Sílvio Romero, Tobias Barreto, Jhering, Savigny.

Segue um o trecho da entrevista acima referida, concedida a João do Rio por Clóvis Beviláqua (In João do Rio. Momento Literário. Curitiba: Criar Edições, 2006, p. 79-80):



 ENTREVISTA COM CLÓVIS BEVILÁQUA
          (fragmento da entrevista)
             [JOÃO DO RIO]


Depois de ter concluído o meu curso de Direito foi que, por assim dizer, comecei a interessar-me por essa bela ciência, ao lado da qual passara cinco anos sem lhe perceber os encantos. Devo a Tobias esse inestimável serviço de me ter aberto a inteligência para ver o Direito. Durante o curso acadêmico, estudei apenas para cumprir as minhas obrigações e transitar pelas solenidades escolares sem apoio estranho, mas não podia dedicar afeição profunda a uma ciência na qual não descobria o influxo das ideias que me davam a explicação do mundo.

Incitado pelo ensino de Tobias e guiado por Jhering, vi o direito à luz da filosofia, da sociologia e da história. Savigny, Bluntschli, Roth, Glasson, Cimbali, d’Aguano, Cogliolo e Post, para citar apenas os mais característicos, deram-me a educação jurídica.

No Direito Penal, as minhas simpatias declaram, desde os primeiros momentos, pela terza scuola de Tarde, Alimenta e Liszt.

Mas, ainda que a história e a legislação comparada me dessem a contemplação do fenômeno jurídico no seu máximo brilho e em sua plenitude, é bem de ver que eu não me podia segregar do Direito Pátrio, cuja expressão me davam, principalmente, Coelho da Rocha, o mais completo discípulo de Melo Freire e Teixeira de Freitas, o maior dos nossos jurisconsultos.

Talvez pareça longa esta resposta. Mas não a podia dar mais concisa. A formação de um espírito se faz lentamente, por assimilações e adaptações sucessivas.

A história do espírito de cada um de nós reproduz, em miniatura, a história do pensamento de uma época. Mas eu me resumo, afinal. Os autores que mais contribuíram para a formação do meu espírito foram:

Em Literatura – Alencar, Taine, Sílvio Romero e Zola.
Em Direito – Tobias Barreto, Jhering, Post, Savigny e Glasson.
Em Filosofia – Litré, Comte, Spencer e Haeckel.



           
                     *  *  *








29 de jul. de 2024

CONDOMÍNIO - Infiltração de Água




                   por Pedro Luso de Carvalho 
               

       
       Todas as pessoas que residem em apartamentos, ou que já passaram por essa experiência, têm ou tiveram experiências as mais desagradáveis no que diz respeito ao relacionamento com as demais pessoas que residem no mesmo edifício. A situação das pessoas que vivem nessa forma de agrupamento é inquestionavelmente muito desagradável. Cada morador quer apenas saber de seus ‘direitos’, confundindo quase sempre direito com interesse.
       
        Um dos problemas que afligem os moradores em edifício condominial é, sem dúvida, o desembolso de quantias que ultrapassam as parcelas fixas de condomínio, como é o caso da chamada extra de valores para a cobertura de despesas extraordinárias, por este ou aquele motivo. Tal medida só pode ser tomada pela maioria dos condôminos reunidos em assembleia, geral ordinária ou extraordinária, depois de o síndico ter providenciado a convocação de todos os condôminos para esse fim, comprovadamente.

        Um dos casos frequentes no que relaciona a chamadas extras diz respeito à infiltração de água, quase sempre no último andar do edifício, quer por vedação mal feita na laje de concreto ou no telhado, nos prédios novos, quer pelo desgaste de material em razão da ação do tempo, nos prédios antigos. Em qualquer uma das hipóteses (prédio novo ou antigo), quem passa por dificuldades é sempre o morador do último andar (às vezes os prejuízos, em razão das fissuras existentes, se estende ao penúltimo andar).

        O certo é que, nesses casos, todos os moradores fazem vistas grossas aos problemas existentes no último andar, onde fissuras na laje ou estragos no telhado, dependendo do caso, permitem que haja infiltração de água nos dias de chuva, ocasionando as mais diversas formas de danificação tanto no apartamento do morador do último andar como nos móveis, eletrodomésticos etc. que o revestem.

        Normalmente, quando isso ocorre, o síndico é o primeiro a saber, o que não quer dizer que venha a, de imediato, resolver o problema já que as medidas que vier a tomar, visando o conserto dessa parte do prédio, poderão implicar em somas elevadas para o condomínio; então o seu primeiro passo é convocação dos condôminos para assembleia geral extraordinária, colocando esse problema na ordem do dia, sempre atento para que todos sejam convocados para assim evitar anulação da assembleia caso seja ajuizada ação nesse sentido.

        Na assembleia, certamente será decidido pelos presentes, com base no Código Civil e na Convenção do Condomínio, que o referido dano deverá ser reparado com a contribuição de todos os condôminos, por constituir-se tal fato em dever do condomínio, uma vez que a fissura existente encontra-se na área comum do edifício, desta forma obrigando a todos os proprietários das respectivas economias.

        Se assim for a decisão da assembleia, estará amparada não apenas na legislação vigente como no entendimento mais recente da jurisprudência, como ocorreu no julgamento da ação declaratória e inexigibilidade de indébito promovida por um condômino que não se conformou com a decisão tomada em pela assembleia condominial, que decidiu que o reparo da fissura era de responsabilidade do condomínio, que foi julgada improcedente, em primeiro grau, cujo recurso interposto pela autora foi julgado pela Primeira Turma Recursal Cível, do Tribunal de Justiça do RS, em 09/03/2006, que, por sua vez negou-lhe provimento, como se vê pela sua ementa, in verbis:

        "Ação declaratória de inexigibilidade de débito. condomínio edilício. fissuras no último pavimento. deliberação em assembleia geral extraordinária, por maioria, de arrecadação da quantia necessária às reformas mediante chamada extra. conservação de parte comum do condomínio, que deve ser custeada por todos os condôminos, consoante convenção. quórum qualificado que não se aplica à hipótese. Recurso improvido." 




                                                                     *  *  *  *  *  *


9 de mai. de 2024

[Carta] RUI BARBOSA / Pinheiro Machado



 por Pedro Luso de Carvalho


O talento da oratória e a disposição para a luta sem tréguas em prol da justiça social constituíam-se em alguns dos traços da forte personalidade de Rui Barbosa, qualidades essas que não poderia levá-lo para outro caminho que não o da política, na qual ingressa pelo Partido Liberal, que consagra seu nome como deputado provincial, na Bahia, sua terra natal, no ano de 1878.

Em dezembro de 1881, com a mulher e as três filhas, o deputado geral Rui Barbosa, reeleito, deixa a Bahia com destino ao Rio de Janeiro, em busca de melhores oportunidades para poder melhor explorar sua inteligência e talento, sua cultura e sua inclinação para as lutas sociais.

Como o fim a que nos propomos é apresentar a carta de Rui para Pinheiro Machado, damos um salto no tempo para a data em que se realizou a campanha política e a eleição para a presidência da República, em 1910, tendo por contendores Rui Barbosa e Hermes da Fonseca, à vista do término do mandato do presidente de Afonso Pena.

Nessa época era Pinheiro Machado o homem mais forte da política brasileira; por cerca de quinze anos esse político gaúcho (vice-presidente do Senado) foi o nome mais importante da política brasileira. E foi justamente ele que arquitetou a vitória fraudulenta da eleição de Hermes da Fonseca, com manipulação dos resultados, dando como vencedor o seu candidato em detrimento de Rui, que, como mais tarde demonstrou à Nação, foi quem legitimamente foi eleito presidente da República, sem, no entanto, ter assumido ao cargo.

Anos mais tarde, depois do desastre que foi o governo de Hermes da Fonseca, o nome de Rui Barbosa foi lançado novamente para concorrer à presidência da República, desta vez sem o seu consentimento, fato que o revoltou e o fez sobre ele manifestar-se por carta endereçada ao todo-poderoso Pinheiro Machado. 

 Segue a “Carta de Rui Barbosa a Pinheiro Machado” (in Roteiro Literário de Portugal e do Brasil, 2ª ed., Álvaro Lins e Aurélio Buarque de Hollanda, Rio de Janeiro, 1966, vol. II, p. 206-207, in verbis:


                                          [ESPAÇO DA CARTA]

                           
                                CARTA A PINHEIRO MACHADO
                                                   (Rui Barbosa)


Exmo. amigo Sr. Senador Pinheiro Machado.

No conflito de interesse e personalidades, que, em torno da eleição presidencial, tão cedo começa, e de um modo tão desusado, vejo envolvido o meu nome, como um dos pretendentes. Há nisto um equívoco, a que me empenho em pôr termo, peremptoriamente.

Não sou candidato à presidência da República, nem consinto que mo façam. Se amigos meus há, que tenham o pensamento de semelhante iniciativa, em nome da amizade e seus direitos, eu lha desaprovo e lha proíbo. Não quero complicá-los em dificuldades inúteis, nem concorrer para maior abatimento de nossa terra com a agravação com o espetáculo desta contenda estéril, a que a nação assiste estranha e indiferente, pelo posto da nossa magistratura suprema.

Considero o país na iminência de dias bem sombrios. Alguma coisa extremamente grave de nós se aproxima, que a cegueira geral não enxerga. Reputo insustentável a situação de anarquia, financeira, política e moral, em que nos debatemos. Daí o que vai sair, não sei; mas não há de ser o que os descuidados supõem.

Em circunstâncias tais, só inconscientes ou predestinados poderão nutrir ambições. Eu nunca as tive: muito menos as teria agora.

Candidato à presidência da República, só me animaria a sê-lo, se um movimento da opinião pública mo impusesse. Tal honra, porém, nunca imaginei merecer. A outra, a da candidatura oficial, repugna às minhas convicções e aos meus compromissos. Com os do meu longo passado de luta pela verdade constitucional, com o terrível sentimento da responsabilidade, que, no meu espírito, se associa a todas as missões de ordem superior, na vida pública, e com a intuição do nosso futuro iminente, um homem do meu temperamento e da minha educação política só a uma coisa pode pretender, neste momento e nestas condições: à liberdade, a que vou tornar, de servir ao nosso país como costumava, com toda a minha consciência, independentemente, segundo as exigências de cada oportunidade.

Escrevo-lhe estas linhas refletida e serenamente, com a satisfação de quem se desobriga de um dever dos mais gratos, e com o mais decidido empenho de que nelas se respeite a minha resolução definitiva, à qual buscarei dar publicidade, para que o pleito entre os elementos interessados siga doravante sem estorvo na hipótese importuna de meu nome.

Creio que este incidente, meu caro amigo, acabará de lhe mostrar que, na vida pública, não palpita senão pela nossa pátria o coração do seu sincero e obrigado amigo.

                                                                                               RUI BARBOSA

                                                  (Cartas Políticas e Literárias, Bahia, 1919, págs. 133-135.)
                                                                                                                                      

   
                                                                        

REFERÊNCIAS:
AMARAL, Márcio Tavares. Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Editora Três, 1974.
LINS, Álvaro e BUARQUE DE HOLLANDA, Aurélio; Roteiro Literário de Portugal e do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1966, vol. II, p. 206-207


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23 de abr. de 2024

UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA



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   -  por Pedro Luso de Carvalho


O Instituto da União Estável é tratado no Título III, do Livro IV [Do Direito de Família] do Código Civil, pelos artigos 1.723 a 1.727, que dispõem, entre outras coisas, sobre o reconhecimento dessa entidade familiar, bem como da união estável entre o homem e a mulher. O art. 1.723 estatui que se configura a união estável convivência pública dos companheiros, de forma contínua e duradoura, com o propósito de virem a constituir família.


Portanto, o legislador deixou claro que são quatro os requisitos essenciais para que se configure a união estável, na forma estatuída pelo art. 1.723, do Código Civil, a saber: a) que a união seja entre homem e mulher; b) que seja pública a convivência dos companheiros; c) que a convivência seja contínua e duradoura; d) que a união seja entre homem e mulher. O certo é que os tribunais já vêm enfrentando o questionamento no que diz respeito aos requisitos contidos nesse artigo. Tais requisitos são ou não imprescindíveis para que se reconheça a união estável, na forma aí estatuída?


A Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul respondeu a essa pergunta ao julgar a Apelação Cível nº 70012836755, em 21 de dezembro de 2005, na qual foi Relatora a Desa. Maria Berenice Dias, que entendeu serem dispensáveis os seguintes requisitos, para a comprovação da união estável, como se vê pela ementa que transcreve abaixo:


“APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de 16 anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Negado provimento ao apelo”.


No corpo do referido acórdão, a Relatora transcreveu duas ementas de acórdãos análogos, cujos julgamentos constituem-se em precedentes de vanguarda, no seu entender, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, como se vê abaixo:


“RELAÇÃO HOMOERÓTICA. UNIÃO ESTÁVEL. APLICAÇÃO DOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE HUMANA E DA IGUALDADE. ANALOGIA. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO. VISÃO ABRANGENTE DAS ENTIDADES FAMILIARES. REGRAS DE INCLUSÃO. PARTILHA DE BENS. REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1.723, 1.725 E 1.658 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. Constitui união estável a relação fática entre duas mulheres, configurada na convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir verdadeira família, observados os deveres de lealdade, respeito e mútua assistência. Superados os preconceitos que afetam ditas realidades, aplicam-se os princípios constitucionais da dignidade da pessoa, da igualdade, além da analogia e dos princípios gerais do direito, além da contemporânea modelagem das entidades familiares em sistema aberto argamassado em regras de inclusão. Assim, definida a natureza do convívio, opera-se a partilha dos bens segundo o regime da comunhão parcial. Apelações desprovidas (TJRS, Apelação Cível nº 70005488812, Sétima Câmara Cível, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 25/06/2003)”.


“UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. DIREITO SUCESSÓRIO. ANALOGIA. Incontrovertida a convivência duradoura, pública e contínua entre parceiros do mesmo sexo, impositivo que seja reconhecida a existência de uma união estável, assegurando ao companheiro sobrevivente a totalidade do acervo hereditário, afastada a declaração de vacância da herança. A omissão do constituinte e do legislador em reconhecer efeitos jurídicos às uniões homoafetivas impõe que a Justiça colmate a lacuna legal fazendo uso da analogia. O elo afetivo que identifica as entidades familiares impõe seja feita analogia com a união estável, que se encontra devidamente regulamentada. Embargos infringentes acolhidos por maioria (TJRS, Embargos Infringentes nº 70003967676, 4º Grupo Cível, Relator: Desª Maria Berenice Dias, julgado em 9 de maio de 2003)”.


Esse, no entanto, não era o entendimento de Miguel Reale, jurista e professor da Universidade de S. Paulo, que em aula inaugural da Faculdade de Direito de Guarulhos, SP, disse que a pretendida união estável entre homossexuais é matéria que só pode ser discutida depois de alterada a Constituição do país. Lembrou que a Constituição de 1988 criou uma novidade, estabelecendo a união estável entre o homem e a mulher “que legisladores apressadamente confundiram com o concubinato, união irregular, à margem do matrimônio”. Reafirmou Reale nessa ocasião, que, “se querem estender esse direito aos homossexuais, que mudem primeiro a Constituição, como 3/5 dos votos do Congresso Nacional. Depois, o Código Civil poderá cuidar da matéria”.


Como referi, dos quatro requisitos essenciais exigidos pelo art. 1.723 do Código Civil, para o reconhecimento da união estável como entidade familiar, dois deles não foram levados em conta nos julgamentos supra, quais sejam, a) união estável entre o homem e a mulher; b) com o objetivo de constituição de família. Por outro lado, o jurista Miguel Reale deixou claro, como se viu, que esse tipo de união estável deveria estar no Código Civil, depois da necessária mudança da Constituição de 1988.


Daí poder-se dizer que as decisões que acolhem o pedido de reconhecimento da união estável homossexual, contrariando o que dispõe a respeito o Código Civil, ainda terá um longo caminho a ser trilhado até que a jurisprudência veja sedimentada essa posição favorável, caso o Congresso Nacional não venha a decidir-se pela alteração da Carta Magna para permitir o que foi vetado em 1988.







12 de abr. de 2024

CARLOS MAXIMILIANO & A Hermenêutica



  
– Pedro Luso de Carvalho

CARLOS MAXIMILIANO, jurista consagrado, autor Hermenêutica e Aplicação do Direito, uma das obras mais importantes do Direito brasileiro, na 9ª edição em 1975, época em fiz a leitura desse livro, escreveu o seu primeiro prefácio em novembro de 1924, na cidade de Santa Maria, RS, e o segundo prefácio em dezembro de 1940, na cidade do Rio de janeiro.
Carlos Maximiliano Pereira dos Santos nasceu no dia 24 de abril de 1873, em São Jerônimo, Rio Grande do Sul, e faleceu na cidade do Rio de Janeiro, no dia 2 de janeiro de 1960. Em Porto Alegre, fez o curso de Humanidades. Em Belo Horizonte, formou-se em Direito no ano de 1898. No ano seguinte passou a exercer a advocacia em Cachoeira, RS; daí mudou-se para Santa Maria, RS.
Pretendo escrever, em breve, um texto sobre as atividades do jurista, não apenas como escritor do Direito, mas também sobre a sua carreira política, bem como sobre os importantes cargos que exerceu. Hoje ficarei limitado à hermenêutica, transcrevendo interessante trecho do livro Hermenêutica e Aplicação do Direito, com o seguinte título: Apaixonar-se não é Argumentar:
É comum no foro, na imprensa e nas câmaras substituírem as razões, os fatos e os algarismos pelos adjetivos retumbantes em louvor de uma causa, ou em vitupério da oposta. Limitam-se alguns a elevar às nuvens os autores ou as justificativas que invocam, e a deprimir os do adversário; outros chamam irretorquíveis, decisivas, esmagadoras às próprias alegações, e absurdas, sofísticas, insustentáveis, às do contraditor. Exaltar, enaltecer com entusiasmo, ou maldizer, detratar com veemência não é argumentar; será uma ilusão de apaixonado, ou indício de inópia de verdadeiras razões.
A ironia leva a palma ao vitupério. O que impressiona bem (saibam os novos, mais ardorosos e menos experientes) é a abundância e solidez dos argumentos aliados à perfeita cortesia, linguagem ponderada e modéstia habitual.
Para terminar, lembro o que Rui Barbosa disse sobre Comentários à Constituição Federal, obra de Carlos Maximiliano: “É o melhor livro escrito no país sobre Direito Constitucional”.


REFERÊNCIA
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, P.277.

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3 de mar. de 2024

PIERO CALAMANDREI & Sua Crônica



– PEDRO LUSO DE CARVALHO

PIERO CALAMANDREI nasceu na cidade de Florença, Itália, em 1889 e faleceu em 1956. Foi professor nas Universidades de Florença, Messina, Modena e Siena. Foi um dos poucos professores que não integrou o Partido Nacional Fascista. Em 25 de julho de 1945 foi eleito Reitor da Universidade Florentina. Foi um expoente da moderna escola de direito processual civil, além de renomado advogado. Fundou com Chiovenda e Carnelutti a Revista de Direito Processual (Rivista di diritto processuale). Em 1945 fundou a revista político-literária Il Ponte. Eleito para a Assembleia Constituinte fez parte da comissão encarregada de redigir o projeto da Constituição Italiana (foi deputado de 1948 a 1953).
De sua obra destacam-se: La chiamata in garantia (1913) – La cassazione civile (1920) – Studi sul processo civile (1930 - 57) – Elogio dei giudici scritto da un avvocato (1935) – Inventario della casa di campagna (1941) – Stituzione di diritto processuale civile (1941 - 44) – Scritti e discorsi politici (postumo 1966). Elogio dei giudici scritto da un avvocato foi traduzido para o português por Ary dos Santos, com o título Eles, os juízes, visto por nós, os advogados, e publicado pela Editora Livraria Clássica Editora, Lisboa, Portugal. Dessa obra, escolhemos uma das crônicas que o compõem, em homenagem aos advogados que já têm prateados os seus cabelos, e que, mesmo com a larga experiência de tribuna, ao assomá-la ainda sentem a mesma emoção das suas primeiras defesas.
Segue a crônica de Calamandrei (In Calamandrei, Piero. Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados. Tradução de Ary dos Santos. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 4ª ed., 1971, p. 178-179:

VI NO PALÁCIO DA JUSTIÇA, sob a porta de uma sala, um velho advogado que esperava, já de toga vestida, a sua vez de falar. Encostado com ar cansado à ombreira parecia estar em contemplação estática, as mãos cruzadas sobre o peito, em gesto de oração, alheio e penetrado de solidão no meio da turba barulhenta dos colegas. Observando-o, porém, mais de perto, vi que não estava a rezar, mas sim a medir, pelas pulsações e com o olhar fixo no relógio, os batimentos do coração.
Um colega indiscreto tirou-o daquele isolamento, perguntando-lhe com malícia se tinha febre, ao que o outro respondeu, como se tivesse acordado de um sonho: Dizem os médicos que os doentes do coração não devem discutir causas....Só nesse momento notei a palidez violácea da daquela cara e, nas fontes, debaixo de uma pele de cera, o trajeto marcado das pequenas artérias, nas quais o vulgo julga crer que esteja escrita a morte imediata. O oficial de diligências fez a chamada para o seu processo.
Entrou para a sala de audiências e quando daí a pouco eu lá entrei também, vi com admiração que o velho advogado, alquebrado e doente, se transformara, da bancada da defesa, num robusto orador cheio de vida, esbraseado pela discussão e agitando aquele pulso no qual, instantes antes, expiava o passo da morte em marcha. Agora, que estava em jogo a vitória do seu cliente, já não lhe vinha a ideia moderar o gesto mais brusco ou apóstrofe mais violenta, que por si só podia bastar para, na frágil consistência daquela pequena artéria, abrir o rasgão fatal.



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18 de nov. de 2023

REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS EM DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL


Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS)





- por Pedro Luso de Carvalho



A Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul julgou, em 03 de julho de 2009, em Decisão Monocrática proferida pelo Des. Ricardo Raupp Ruschel, Relator, o recurso de Agravo de Instrumento nº 70030124168, originário da Comarca de Erechim, tendo por agravante A.D.M. e como agravado A.C.C., em cujo processo são partes, na Ação de Dissolução de União Estável cumulada com Regulamentação de Visitas, em tramitação na referida comarca. Na vara de origem, o pedido da aludida regulamentação, pelo pai do menor, foi indeferido pelo juiz de primeiro grau, que levou em conta a declaração da mãe da criança, que disse ser favorável à visitação livre. Segue a ementa da referida decisão:


"AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. CABÍVEL A REGULAMENTAÇÃO DO DIREITO DE VISITAS, PROPICIANDO UMA RELAÇÃO DE MAIOR PROXIMIDADE ENTRE O MENOR E O PAI. EM RAZÃO DOS CONFLITOS EXISTENTES ENTRE AS PARTES, CONVENIENTE A FIXAÇÃO DAS VISITAS DO GENITOR AO FILHO PELO JUÍZO, OBSERVADA A EVENTUAL NECESSIDADE DE AMAMENTAÇÃO DA CRIANÇA. RECURSO PROVIDO.


Adiante a decisão, na íntegra: "Vistos. Trata-se de agravo de instrumento interposto por ANDRÉ D. M. contra a decisão (fls. 141 e 142) que, nos autos da ação de dissolução de união estável que lhe move ANA C. C., indeferiu o pedido de regulamentação de visitas ao filho comum pleiteado em sede de reconvenção, tendo em vista a manifestação da genitora, favorável à visitação livre.


Em suas razões recursais (fls. 02 a 10), sustenta o agravante, em suma, que está sem conviver com o filho há mais de dois meses em razão de obstáculos estabelecidos pela agravada, a qual tenta de todas as formas afastar o pai e toda a sua família do convívio com a criança.


Assevera que “visitas livres” para a agravada significam visitas de acordo com a sua disponibilidade. Destaca que diante da falta de estipulação de visitação com dias e horários certos, a agravada tem liberdade para dificultar a proximidade do pai com o filho, desprezando as dificuldades com deslocamento enfrentadas pelo agravante para poder visitá-lo.


Alega que a intenção da agravada em afastar o genitor do convívio com o filho é decorrente da não obtenção da pensão alimentícia no valor por ela desejado. Requer o provimento do recurso, para que sejam regulamentadas as visitas quinzenalmente, no primeiro e terceiro finais de semana do mês, inicialmente sem pernoite, devendo a agravada levar o filho até o hotel no sábado e no domingo às 9h e buscá-lo às 18h. Ademais, requer que após os dois primeiros meses as visitas passem a ser com pernoite, permanecendo o agravante em Erechim com o filho, acompanhado do carrinho do bebê, roupas, mamadeiras, brinquedos e todo o indispensável para que a criança tenha conforto na companhia do pai.


O pedido de efeito suspensivo foi deferido (fl. 160), autorizando o agravante a visitar o filho quinzenalmente, nos primeiros e terceiros finais de semana de cada mês, sem pernoite, das 9h às 17h de sábado e de domingo, observada a eventual necessidade de amamentação da criança. Manifestou-se o Ministério Público nas fls. 165 a 170 opinando pelo provimento do recurso. Vieram-me os autos conclusos, para julgamento. É o relatório. Merece prosperar a pretensão.


Insurge-se a agravante contra a decisão que, nos autos da ação de dissolução de união estável ajuizada por ANA CAROLINA C., não reconsiderou a manifestação do pleito liminar deixando de estabelecer horário de visitas ao filho comum, tendo em vista a manifestação materna, favorável à visitação livre. A irresignação prospera, impondo-se reproduzir, porque eficientes ao julgamento da causa, já que nenhum novo elemento foi adicionado aos autos, os argumentos lançados quando do exame liminar, nestes termos:

(...)
Ao que se observa do arrazoado e dos documentos anexados, a “visitação livre” ao filho Pedro não tem se concretizado. Nesta hipótese, até para evitar maior desgaste ao relacionamento do casal, compete ao juízo a fixação das visitas do genitor não guardião ao filho, uma vez inexistente qualquer indicação que desautoriza tal visitação, que deveria ser “livre”.


Defiro, assim, o efeito suspensivo, autorizando o ora recorrente a visitar o filho Pedro quinzenalmente, nos primeiros e terceiros finais de semana de cada mês, sem pernoite, das 9:00 até as 17:00, de sábado e de domingo, observada, entretanto, a eventual necessidade de amamentação da criança, com nove meses de vida.

(...)
Nada mais é preciso acrescentar. Do exposto, em decisão monocrática, dou provimento ao recurso, no sentido de confirmar a decisão lançada no exame liminar do feito. Intimem-se. Porto Alegre, 03 de julho de 2009.Des. Ricardo Raupp Ruschel, Relator."


26 de out. de 2023

A SENTENÇA DEFINITIVA NA DOUTRINA




- Pedro Luso de Carvalho


O tema do artigo anterior a este foi a sentença dos artigos 458 a 466, do CPC; deixei para outra oportunidade a abordagem da Coisa Julgada (arts.467-475). Ao final do referido artigo, disse que após essa postagem viria abordar a sentença na doutrina, como de fato será feita tal abordagem doutrinaria; e começo com o jurista GABRIEL REZENDE FILHO, que foi escritor processualista e professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.


Para GABRIEL REZENDE FILHO (in Curso de Direito Processual Civil, 3 vols., publicado pela Editora Saraiva, São Paulo, em 1968), sentenças são as decisões do juiz, as quais podem ser interlocutórias, terminativas e definitivas. Diz o jurista ,que as sentenças interlocutórias decidem algum incidente do processo, sem lhe por fim. As sentenças terminativas põe fim ao processo, sem lhe resolverem, entretanto, o mérito. As sentenças definitivas são as que decidem o mérito da causa, no todo ou em parte. E são justamente estas, as sentenças definitivas, que serão objeto do restante do trabalho.


Sobre as sentenças definitivas, diz GABRIEL REZENDE FILHO: “Ao direito de ação, como se sabe, corresponde o dever jurisdicional do Estado. A sentença definitiva satisfaz esse dever, extinguindo o direito de ação”. Diz o jurista que a sentença, como fato jurídico, é analisado pelo processualista uruguaio, na sua obra Fundamentos del Derecho Procesual Civil , da qual se extrai que a “prestação positiva que o Estado dispensa ao cidadão, não como titular de um direito privado material, mas como titular de um direito cívico, que é a ação”.


Adiante, GABRIEL REZENDE FILHO diz que sobre o problema da gênese ou fundamento da sentença, divergem os autores; para uns, a sentença é apenas um juízo, no 'sentido lógico', que ao proferí-la “faz o juiz o silogismo em que a premissa maior é a norma legal, a premissa menor, o fato ou relação controvertida, e a conclusão, a aplicação da norma legal ao fato; o silogismo é apenas a operação da mente e não da vontade do juiz, pois este deve ater-se sempre aos preceitos aplicáveis à espécie e às circunstâncias da causa”. E aduz: esse é o pensamento de WACH, COVIELLO, ALFREDO ROCCO, UGO ROCCO, ZANOBINI, JOÃO MONTEIRO, AFONSO FRAGA, entre outros.


Na época em que vigia o código revogado pelo diploma de 1973, sustentavam outros processualistas que, como ato do órgão jurisdicional, a sentença não tem valor enquanto é apenas juízo lógico: “a argumentação ainda que perfeita, não basta em si mesma para dar à sentença a autoridade que lhe é característica”. Para GABRIEL REZENDE FILHO, de seu aspecto lógico, a sentença não tem mais força que um simples parecer proferido sobre questão de um particular, sintetizando que “a sentença é, ao mesmo tempo, uma operação de inteligência e de um ato de vontade”. O jurista acrescenta que essa é a doutrina de CHIOVENDA, CALAMANDREI, CARNELUTTI, REDENTI, BETTI, MENESTRINA, BÜLOW, UNGER, entre outros.


Para CHIOVENDA (in Instituzione de Diritto Processualle Civile), O juiz não é apenas um lógico, mas um magistrado. Assim se expressa a célebre jurista italiano: “Uma vez atingido o objetivo de dar formulação à vontade da lei, o elemento lógico perde, no processo, toda importância. Os fatos permanecem o que eram, nem pretende o ordenamento jurídico que sejam considerados verdadeiros aqueles que o juiz considera como base de sua decisão; antes, nem se preocupa em saber como se passaram as coisas, e desinteressa-se completamente dos possíveis erros lógicos do juiz. Limita-se a afirmar que no caso da lei no caso concreto é aquilo que o juiz afirma ser a vontade da lei. O juiz, portanto, enquanto raciocina, não representa o Estado; representa-o, quando lhe afirma a vontade. A sentença é unicamente a afirmação ou negação de uma vontade do Estado, que garante a alguém um bem de vida.”


Quanto ao pensamento de EDUARDO COUTURE, é também expressiva sua afirmação (obra cit.nº125) que “a sentença é uma operação de caráter crítico. O juiz escolhe entre a tese do autor e a do réu (ou, eventualmente, de um terceiro) a solução que lhe parece mais ajustada ao direito e à justiça. Este trabalho desenvolve-se através de um processo intelectual, por etapas sucessivas. A sentença - conclui o eminente professor uruguaio - é um processo crítico, no qual a lógica desempenha um papel altamente significativo, mas que culmina necessariamente em ato de vontade”.


Para CALAMANDREI (Studii sul Processo Civile, vol.2.º, pág 214), “em toda a sentença existe um ato de vontade: o que a distingue do parecer jurídico não é o elemento lógico, que nela põe o juiz como homem que pensa e raciocina, mas o elemento volitivo que nela coloca como representante do Estado”.


CARNELUTTI (Sistema di Dirito Processuale Civile, vol. 1.º, nº.º93) também afirma que “a sentença de um ato de inteligência, é, antes de tudo, um comando, um ato de vontade do Estado. A sua natureza de comando é o prius lógico de sua eficácia: a obrigação e o comando não são, com efeito, senão a mesma coisa, vista de lados diferentes”.


Para alguns processualistas, WACH, por exemplo, “o elemento volitivo da sentença é o mesmo elemento volitivo da lei. A autoridade da sentença nada mais é do que aplicação obrigatória da lei: a sentença é a concretização da vontade da lei.”


BÜLOW, porém, sustenta que “a sentença pode criar o direito objetivo, sendo necessário distinguir entre a norma legal abstrata e a norma especial concreta, que é a sentença. Na lei, há um comando geral e abstrato; na sentença, um comando particular e concreto. A formação desse comando particular e concreto tem, consequentemente, alguma coisa de autônomo, de independência do comando abstrato.


Parece-nos possível conciliar a divergência entre os autores - afirma GABRIEL REZENDE FILHO - , considerando que, se a sentença deve ajustar-se, apoiar-se na lei, nem sempre, porém, com ela se identifica. Não há dúvida que ao juiz cumpre adaptar inteligentemente a fórmula geral e abstrata da lei ao acaso particular, mas o seu trabalho não é mecânico e passivo, antes de transformação e de adaptação.


Dentro dos limites mais ou menos vagos impostos pela lei – conclui Gabriel de Rezende Filho - , o juiz pode agir com relativa liberdade e constituir-se, destarte, como elegantemente diz FRANCISCO FERRERA (Interpretação e Aplicação das Leis, pág. 1), no instrumento vivo, que transforma a regulamentação típica imposta pelo legislador na regulamentação individual das relações dos particulares, traduzindo o comando abstrato da lei no comando concreto entre as partes, formulado na sentença.

20 de set. de 2023

HISTÓRIA DO PROCESSO CIVIL - PARTE X (Final)




PEDRO LUSO DE CARVALHO

Na nona parte de nosso trabalho, sobre a História do Processo Civil, fizemos menção ao Decreto nº 848, de 1890, editado para organizar a justiça federal e a justiça local, e que também dispunha que os Estados deveriam legislar sobre as suas organizações judiciárias e processos. Também dissemos que, quanto ao direito civil, comercial e penal da República, e ainda, ao direito processual da justiça federal, constituíam-se em legislação privativa da União.
Ainda, filiados ao já mencionado Regulamento 737, de 25 de novembro de 1850, e ante o dispositivo constitucional, os Estados começaram a editar os seu códigos de processo. Em 1930, o Estado de São Paulo teve o seu Código de Processo Civil, com a promulgação da Lei nº 2.421, de 14 de janeiro de 1930.
A unidade processual no Brasil deu-se, no entanto, pela Constituição Federal de 16 de julho de 1934, que estabeleceu o prazo de três meses para que o Estados editassem as respectivas leis, para instituir os Códigos de Processo Civil e Penal da República. Essas mudanças, levadas a efeito pelo Poder Legislativo, vieram atender as aspirações de um número expressivo de juristas brasileiros. Esse dispositivo constitucional, no entanto, não chegou a ser cumprido.
O regime de unidade do direito material e processual foi mantido pela Constituição de 18 de setembro de 1946. O Código de Processo Civil promulgado pelo Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939 entrou em vigor a 1º de março de de 1940. [O art. 1º do D.L. Estatuía no seu art. 1° que “o processo civil e comercial, em todo o território brasileiro, reger-se-á por este Código, salvo o dos feitos por ele não regulados, que constituam objeto de lei especial”].
Como bem salientou o professor Gabriel Rezende Filho (Curso de Direito Processual Civil, vol I, São Paulo, Saraiva, 1968, p.44), in verbis: “Limitou, assim, o legislador, sem motivo plausível, o campo do Código, deixando à margem vários institutos processuais regulados anteriormente a ele e permitindo, ainda, a possibilidade de leis especiais e posteriores”.
Diz mais, o mestre Rezende Filho, sobre a aprovação do Código de Processo Civil de 1939, que passou a viger no ano de 1940: “Continuam, pois, em vigor, muitas leis sobre matéria processual, não regulada no Código, por exemplo: ação de renovação de letra de câmbio, executivos fiscais, despropriações, ações de acidente de trabalho, falências e concordatas, processo de naturalização, organização e proteção da família, processo sobre minas e outros”.
O passo seguinte, no que tange ao Direito Processual Civil, deu-se com a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que o instituiu, e que ainda se encontra em vigor neste ano de 2011, com as muitas alterações sofridas nesse longo período de tempo, que separa este ano com o de 1973. E como o “novo” Código vem sendo objeto de estudos no dias atuais, entendo que podemos ficar por aqui com a História do Processo Civil – é o que fazemos.



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