por
Pedro Luso de Carvalho
Escolhi
para esta postagem o tema sobre a independência do advogado, que
deverá ser de alguma importância para os advogados já com
experiencia no exercício da advocacia, mas, principalmente, para
aqueles que estão dando os seus primeiros passos na militância dessa
árdua profissão. Digo isso, por entender que nenhum advogado estará
livre de certas amarras se não gozar de total independência para
defender os interesses de seus clientes. E, para que o advogado possa
exercer o mandato que lhe é outorgado pelo cliente com o
indispensável zelo, faz-se mister dar esse passo, que consiste na
sua independência com relação aos três poderes (executivo,
legislativo e judiciário).
Uma
obra que se presta a esse fim, isto é, para que se atente para a importância da independem cia do advogado, foi escrita pelo jurista e
membro da Academia Francesa, Maurice Garçon, intitulada O Advogado e
a Moral' (2ª ed., Coimbra, Portugal, Arménio Amado-Editor,
Sucessor, com tradução de António de Souza Madeira Pinto, 1963),
que assim começa o capítulo V da obra, que trata da independência do advogado: "Quando se fala de independência do advogado
pensa-se que ela tem por principal objetivo conferir-lhe plena
liberdade perante o Poder, a opinião pública, os tribunais e
terceiras pessoas. A independência deve, com efeito, ser total sob
pena de diminuir a eficácia da atuação profissional.
Pelo
que respeita ao Poder (digamos, ao Governo) – prossegue Maurice
Garçon - a defesa deve estar em condições de enfrentar os abusos
do arbítrio, de onde resulta que o advogado não pode ser
funcionário público nem estar vinculado a quaisquer obrigações
que possam incutir-lhe um temor de reverencia. Quanto à opinião
pública, tantas vezes apaixonada, pode o advogado ter de profligar
os seus excessos. Perante os tribunais deve, sem tibieza, fiscalizar
a regularidade dos meios processuais, assegurar o respeito pela
liberdade individual e impor, com firmeza, o seu propósito de dizer
o que julgue necessário ou útil para a defesa dos interesses que
lhe foram confiados. Para com terceiros o advogado não pode
sujeitar-se a quaisquer imposições que afetem a sua liberdade de
ação, pelo que não pode exercer emprego remunerado, receber
mandato nem assumir obrigação de que lhe advenha qualquer grau de
subordinação.
Mas
esta independência perante terceiros – diz Garçon - não seria
completa se o advogado não desfrutasse dela mesmo para com o próprio
cliente. Assim como aceitou livremente a defesa da causa, assim
também lhe deve assistir o direito da livre escolha dos meio de
defesa a empregar. Esta liberdade suscita, com frequência, problemas
de consciência. De fato, coloca muitas vezes o advogado em desacordo
com o cliente cuja defesa aceitou. Se a colisão se verifica no
decurso da causa, pode ser tomada como traição. E a divergência
gera conflitos que não são, muitas vezes, fáceis de resolver".
O
autor ressalta a referencia feita sobre a opinião de La Ferrière,
no que respeita a atitude do advogado antes de aceitar a defesa da
causa: "É essencial meditar seriamente nas razões a aduzir
para defender a causa e destruir os argumentos da parte contrária...
A eloquência que há de convencer e levar a prova ao mais íntimo do
espírito carece, indispensavelmente, de método. É absolutamente
defeso ao advogado – invocar as leis contra o sentido que o
legislador lhe atribuiu: deve expor fatos com fidelidade – conclui
La Ferrière"
Voltando
ao texto de Maurice Garçon, vemos que, para o autor, "Estes
ditames, que traduzem o que escrevemos sobre a sinceridade, são de
ter em conta quando, aceite a defesa, se tem de escolher os meios que
hão-de conduzir ao triunfo da causa. O desacordo entre o cliente e o
advogado surge, em geral, pelo fato de o litigante compreender mal a
sua defesa. Mesmo quando tem razão serve-se, por vezes, de
raciocínios de má fé para provar a sua... boa fé.
Não
é raro que tenha consultado outros advogados – prossegue Garçon
-, a quem expôs uma verdade parcial ou afeiçoada, alcançando
soluções erradas mas sempre favoráveis, a que se apega sem atender
ao que se lhe diz. Quando pretendemos convence-lo do seu equívoco,
oscila por momentos parecendo concordar em que é errado o seu ponto
de vista, mas logo volta ao empedernimento anterior. Em matéria de
direito imagina condições jurídicas insustentáveis, defendendo
com energia porque se deu ao trabalho de consultar o código ou obras
de direito, que no entanto, não logrou compreender. Em matéria de
fato obstina-se a sustentar 'a sua verdade', que a ninguém
convencerá e não sabe distinguir os bons argumentos dos maus.
O
papel do advogado – enfatiza Garçon - consiste, precisamente, em
colocar a defesa no terreno que ela deve ocupar; mas para que possa
faze-lo é indispensável que tenha plena liberdade quanto à escolha
dos meios de ação. Desta indispensável liberdade é que pode
surgir o conflito entre o advogado e o cliente. A divergência apresenta-se menos vincadamente em matéria civil do que em matéria
penal; mas, bem vistas as coisas, a situação é idêntica. No cível
há menos lugar para surpresas: escolheram de antemão os meio de
ação, fez-se a comunicação das peças, desenvolveram-se nas
conclusões escritas os argumentos pró e contra, o depoimento das
testemunhas foi consignado em atas – o que permite interpretar e
avaliar, antecipadamente, os testemunhos prestados – as conclusões
foram redigidas de comum acordo entre o cliente, e o advogado".
Maurice
Garçon mostra uma linha importante que separa a defesa no cível
pela que é feita pelo advogado na área penal, no que respeita a independência do advogado: "Bem mais delicada é a atuação do
advogado no foro criminal em que, aí sim, são frequentes as
surpresas. (...) Com maior frequência do que no foro civil pode o
advogado estar em desacordo com o cliente e carecer de uma independência sem limites. Logo na preparação do processo e na
escolha dos argumentos se suscitam divergencias. Pode o advogado, p.
ex., sustentar a tese de um arguido que, contra a evidencia
meridiana, se obstina em nega a prática do delito e que não
compreende que o maior criminoso pode, se confessar a falta, concitar
piedade e a indulgencia dos juízes?"
"(...)
A consciência não pode aceitar uma obrigação que ataque a independência – enfatiza o autor-, venha ela de onde vier. É em
razão da independência, sem a qual a dignidade da profissão é
ilusória, que o advogado tem a faculdade de aceitar ou recusar o
patrocínio de uma causa e de, tendo-o aceitado, escolher os meios de
ação para alcançar o triunfo do seu cliente, sem ter de prestar
contas da orientação que adotou (...)." Pela importância da
obra de Maurice Garçon, na qual a independência do advogado é
apenas um dos seus capítulos, voltaremos a falar sobre O Advogado e
a Moral, em trabalhos futuros.
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