15 de ago. de 2025

ENRICO FERRI – Paixão e Crime



   

   - Pedro Luso de Carvalho


ENRICO FERRI foi advogado criminalista, professor de Direito Penal, escritor e fundador, com Lombroso e Garofalo, da chamada Escola Positiva (criminologia moderna), com suas obras: A imputabilidade humana e a negação do livre arbítrio e Sociologia criminal (1884); Socialismo e Ciência Positiva (1894); Escola Positiva e Criminologia (1901); Sociologia Criminal (1905). Enrico Ferri nasceu em San Benedetto, Po, em 1856, e faleceu em Roma, em 1929.

O livro Discursos de Defesa, de Enrico Ferri, está dividido em três discursos: a) Amor e morte; b) Um caso de homicídio; c) Letras falsas. Lendo-se esses três discursos, vê-se claramente a faceta do grande orador do júri, que, com o poder mágico do seu verbo ardente, como diz Fernando de Miranda, subjugava, convencia e arrastava os auditórios, obtendo assim triunfos extraordinários em quase todos os Tribunais Criminais do seu país. Enrico Ferri foi também escritor consagrado, cujos textos tornaram-no célebre em todo o mundo, qualidade literária que pode ser aferida nos seus Discursos de Defesa e de Acusação, pequena monografia, na forma de discursos forenses.

O primeiro discurso, que compõe Discursos de Defesa, qual seja, Amor e Morte, foi escrito por Ferri para a defesa de Carlos Cienfuegos, assassino da condessa Hamilton, e foi por ele pronunciado no Tribunal Criminal de Roma. Desse discurso (Amor e Morte), escolhemos alguns trechos do seu capítulo Paixão e Crime, que diz muito sobre  esse criminalista magistral. Em algumas de suas passagens, vê-se claramente que Ferri não desconhecia as provas dos autos, que incriminavam seu constituinte, e, mesmo assim, buscou honrar o mandato recebido no afã de ver reduzida a pena que o júri viria impor a Cienfuegos, à vista da impossibilidade de obter a sua absolvição. Ferri discursa:

Quem matou um ser humano, não pode ter direito a aplausos: pode invocar, unicamente, o sentimento humano da piedade e da justiça, que não se distingue da clemência. E é justo que eu implore de vós, para Carlos Cienfuegos, que tem um nome quase fatídico – porque, em espanhol, quer dizer, cem fogos – um julgamento sereno e objetivo, liberto de toda a retórica, quando a realidade humana palpita assim, viva e fremente, diante de nós.

Depois de ter afirmado que “não há direito de matar”, Ferri faz uma brilhante análise do sentimento que levou Cienfuegos a matar sua amante, dizendo:

O aspecto dos fatos é incontestável. Estamos perante um caso de homicídio, seguido de suicídio frustrado, em seguida ao amplexo de amor, depois da febre e do frenesi que produzem, no momento fugitivo da volúpia, o esquecimento da dor que atormenta, do destino inelutável.

Vê-se que a tese de Ferri está voltada para o sentimento da paixão, que uniu, antes do crime perpetrado, o homicida e sua vítima:

Não é um homicídio por vingança, e ainda menos por ambição ou por brutal malvadez. É o fato sangrento de amor, pois que o amor e a morte, como dizia Giacomo Leopardi, ‘foram gerados juntos’. Amor e morte nasceram irmãos, e mais do que amor e morte nasceram irmãos amor e crime.

No Tribunal Criminal de Roma, Ferri não nega como dissemos, que fatos incontestáveis apontam para o crime e para o criminoso, mas lhe cabe buscar as causas que levaram Cienfuegos a matar a mulher que amava, visando mostrar um ser humano que se feriu também com seu ato criminoso. Se não enxerga a absolvição, Ferri luta para que, por clemência, a pena seja reduzida:

Amor e crime, porque o crime é a aberração da vontade humana, que desce a ofender os direitos de outrem sem causa justa, levada por uma questão de cegueira moral, como quando se mata, simplesmente, para derrubar a vítima, ou por um regresso selvagem à brutalidade primitiva, como quando se mata por vingança, quando se pratica o crime no ardor de vingança, quando não se pratica o crime no ardor de uma paixão que, sem essa aberração, poderia, talvez sem dúvida, ser circundada por uma auréola de simpatia, e até de admiração com o sentimento da honra e com o sentimento do amor, que são, em si mesmos, chamas puras da vida humana, e podem, todavia, no delírio da febre, dirigir a mão que bate, que incendeia e que mata”. Ferri encerra o parágrafo, dizendo: “Amor e crime nasceram gêmeos, inseparáveis como o corpo da sombra.
Diante de um crime passional com autoria definida em razão das provas constantes dos autos, Ferri busca o único meio de defesa possível, que se subsume na tese de que o ato criminoso foi ditado por um impulso de matar por ciúme, por desequilíbrio emocional, e sem ter havido projeto para o seu cometimento: “Por conseguinte, a tragédia ocorrida em 6 de março, na Pensão Dienesen, é um episódio de amor e crime, é um homicídio de amor e crime, com o suicídio do amante, em que não sabe qual será mais desventurado: se aquela a quem a morte fulminou, ou aquele a quem a morte não quis, e espera, agora, o vosso julgamento.

Vê-se que o discurso de Ferri não se constitui em argumento falaz, visando tão-somente obter do júri a aceitação de sua tese de defesa, e com isso ter um julgamento que favorecesse a quem defendia; ao contrário, foi proferido com base sólida na psicologia judiciária; aliás, Psicologia Judiciária é o título dado obra clássica de Enrico Altavilla, professor da Universidade de Nápoles, para a qual o próprio Enrico Ferri elaborou o seu prefácio.

A propósito de “emoções e paixões”, ensina Altavilla:

As emoções apresentam-se sob duas formas: designa-se pelo nome de emoção, quer uma modificação rápida, quase subitânea, do estado psicológico do indivíduo – a ‘emoção-shock’, quer um estado psicológico mais ou menos permanente. As ‘emoções-sentimento’ são as paixões, que podem, por conseguinte, ser consideradas permanentes ou até crônicas. Kant estabelecia – diz Altavilla – muito bem a diferença entre emoções e paixões, empregando imagens que vale a pena recordar: A emoção é a água que rompe com violência o dique e se espalha rapidamente; a paixão é a torrente que escava do seu leito e nele se incrusta. A emoção é uma embriagues, a paixão é uma doença.

Como dissemos acima, Paixão e Crime é apenas um pequeno trecho do discurso de Ferri, intitulado Amor e Morte, que integra o seu livro Discursos de Defesa. Muito ainda se pode dizer sobre esse discurso, como, de resto, sobre os outros dois discursos, quais sejam: Um Caso de Homicídio e Letras Falsas. Por isso, é nossa intenção voltarmos a falar sobre Ferri e sobre os outros dois Discursos de Defesa, pela excelência de seu texto.




REFERÊNCIAS:
FERRI, Enrico. Discursos de Defesa. Tradução de Fernando de Miranda. 4ª ed. Coimbra, Portugal: Armênio Editor, Sucessor, 1981.
ALTAVILLA, Enrico. Psicologia Judiciária. Tradução de Fernando Miranda. 4ª ed. Coimbra, Portugal: Armênio Editor, Sucessor, 1981.


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20 de jun. de 2025

ALIMENTOS – Filhos. Fixação Provisória

                           Foro da Comarca de Três Passos, RS



- Pedro Luso de Carvalho


A decisão do juiz, que fixa o quantum a título de alimentos provisórios, em favor de quem pleiteia alimentos, deve atender o que dispõe o art. 1.694 do Código Civil (Art. 1,694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação), e seu parágrafo 1° (§ 1.° Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada).
No caso em tela, os alimentos foram pedidos pelos filhos, e magistrado fixou os alimentos provisórios em 30% do que recebe o demandado, pai dos autores da ação de alimentos, por entender serem os valores representados por esse percentual suficientes para o sustento dos requerentes. O valor de um terço do que recebe o alimentante é o critério usual, mas dependendo de peculiaridades, como, por exemplo, quando a pensão se destinar aos filhos e a mulher, que não é o caso do pleito.
O v. Acórdão, lavrado pela Sétima Câmara Cível – Decisão Monocrática – em 29 de abril de 2014, que julgou o recurso de Agravo de Instrumento interposto contra ato do MM. Juiz de Direito da Comarca de Rio Grande, e que teve como Relator o Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, é transcrito abaixo, na íntegra:

ALIMENTOS. FILHOS MENORES. FIXAÇÃO PROVISÓRIA. ADEQUAÇÃO DO QUANTUM. 1. A obrigação de prover o sustento dos filhos menores é de ambos os genitores, devendo cada qual concorrer na medida da própria disponibilidade. 2. A pensão alimentícia deve ser estabelecida de forma a atender as necessidades dos filhos, mas sem sobrecarregar em demasia o genitor, tendo em mira que não foi sequer formado o contraditório. 3. Mostra-se adequada a fixação quando atende o binômio legal. 4. Os alimentos provisórios poderão ser revistos a qualquer tempo, bastando que venham aos autos elementos de convicção que justifiquem a revisão. Recurso desprovido.

Agravo de Instrumento

Sétima Câmara Cível

Nº 70059563817
(N° CNJ: 0148944-46.2014.8.21.7000)

Comarca de Rio Grande

N.G.O. .
AGRAVANTEs
K.G.O.
.

D.G.O.,.M.R.P.M.M.R. C.G.
.

A.S.O.
..
AGRAVADO

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se da irresignação de NYCOLAS G. O., KAUANNY G. O. e DANDARA G. O., menores representadas por sua mãe MARA R. C. G., com a r. decisão que fixou o valor dos alimentos provisórios no patamar de 30% dos ganhos líquidos do alimentante, nos autos da ação de alimentos que move contra ALEXANDRE S. O.

Sustentam as recorrentes que o valor fixado não é suficiente para o sustento delas. Alegam que suas necessidades são presumidas, independente do recorrido possuir ou não outros dependentes. Dizem que quem tem que demonstrar a impossibilidade financeira é o alimentante, não cabendo às alimentadas o ônus de demonstrar a possibilidade financeira dele. Pretendem seja majorada a verba alimentar para o patamar de 40% dos ganhos líquidos do alimentante ou 40% do salário mínimo, em caso de desemprego. Pedem o provimento do recurso. É o relatório.

Diante da singeleza das questões e dos elementos de convicção postos nos autos, bem como da orientação jurisprudencial desta Corte, passo ao julgamento monocrático consoante o permissivo do art. 557 do CPC, e adianto que não merece acolhimento o pleito recursal.

Com efeito, lembro que a pensão alimentícia deve ser fixada de forma a atender as necessidades dos filhos, mas dentro das possibilidades do alimentante – e sem sobrecarregá-lo em demasia –, ou seja, deve sempre se atentar para o binômio legal, possibilidade e necessidade, assegurando-lhes condições de vida assemelhadas àquelas que o genitor desfruta.

De outra banda, lembro que, na fixação dos alimentos provisórios, é preciso examinar tanto a capacidade econômica do alimentante, isto é, os seus ganhos e os seus encargos de família, como também as necessidades dos filhos menores, e essa fixação reclama moderação, pois a cognição é ainda limitada, sendo forçoso convir que o valor da pensão alimentícia estabelecido na decisão atacada está dentro do patamar de razoabilidade e atende o critério usual adotado por esta Corte. Ou seja, não se tem certeza dos ganhos, nem dos encargos de família...

Por essa razão, ficam mantidos os alimentos provisórios fixados no patamar de 30% dos ganhos líquidos do alimentante, pois afeiçoado ao binômio possibilidade-necessidade, de que trata o art. 1.694, §1º, do CCB.

Convém gizar que, depois apurados os ganhos e os encargos de família, caso fique comprovado que o varão tem condições de arcar com uma verba alimentar superior ao valor fixado, poderá ser majorado o quantum. Aliás, cuidando-se da fixação de alimentos provisórios, eles poderão ser revistos a qualquer tempo, bastando que venham aos autos elementos de convicção que justifiquem a revisão.

ISTO POSTO, em decisão monocrática, nego provimento ao recurso.

Porto Alegre, 29 de abril de 2014.


Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves,
Relator.



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18 de mar. de 2025

CLÓVIS BEVILÁQUA – Erudição e Modéstia



   
      - Pedro Luso de Carvalho


Francisco de Assis Barbosa, paulista de Guaratinguetá, graduado pela Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro em 1931, iniciou sua profissão de jornalista quando ainda era estudante de Direito. Foi redator de A Nação, tendo trabalhado também em A Noite, Diretrizes, Correio da Manhã, Diário Carioca, Última Hora, e, no período de 1946 a 1950, nas sucursais de O Estado de São Paulo e Folha de S. Paulo.

Sua atividade no campo do jornalismo foi além: foi o fundador da Associação Brasileira de Escritores, tendo sido consultor literário de algumas editoras, além de ter sido assessor editorial da Enciclopédia Britânica do Brasil. Recebeu, por seus trabalhos literários, os prêmios: Prêmio Silvio Romero, da Academia Brasileira de Letras pelo ensaio O Romance, o Conto e a Novela no Brasil, em 1951; o Prêmio Fábio Prado, da Sociedade Paulistana de Escritores pela obra A Vida de Lima Barreto, em 1952.

Foi mais longe: publicou novela, reportagens em colaboração com Joel Silveira, biografia (Retratos de Família), prefaciou edições, dentre elas: Obras de Lima Barreto, 17 volumes, em colaboração com Antonio Houaiss e M. Cavalcanti Proença. Da obra Retratos de Família, com prefácio de Josué Montello, transcrevo parte da biografia de Clóvis Beviláqua, o mais importante jurista brasileiro:

“Pobre e sem vaidade, nem ambições, Clóvis Beviláqua recusou todos os títulos, honrarias e situações: até mesmo à Academia deixou de pertencer, desde que foi recusada a inscrição da esposa no grêmio dos imortais. Na mocidade, quiseram fazê-lo presidente do Ceará. Não quis. Deputado, senador, também não quis. Hermes Fonseca ofereceu-lhe uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, convite reiterado por Washington Luis, vinte anos depois. Recusou as duas vezes. Em 1920, o comitê de juristas da Sociedade das Nações pediu-lhe que redigisse o projeto da organização da Corte Permanente de Justiça Internacional. Fez o projeto mas não foi discuti-lo. O presidente Hoover pediu a sua cooperação no conflito em os Estados Unidos e a Lituânia... mas é desnecessário enumerar todas as recusas de Clóvis. Seria um nunca acaba. Dariam para encher páginas inteiras deste livro.

Nunca foi à Europa. Nunca fez uma viagem ao estrangeiro. Clóvis Beviláqua  na sua modéstia, jamais possuiu um smoking, uma casaca. Ao que parece, só uma vez na vida deixou-se enfarpelar para comparecer a uma festa de estudantes, no Teatro Municipal, por ocasião do centenário de Teixeira de Freitas, em 1916. O episódio é interessante. Vale a pena ser recordado, pois marcou a reconciliação com Rui Barbosa, depois da azeda discussão em torno do projeto do Código Civil.

O presidente da Associação de Estudantes, Edmundo da Luz Pinto, fora à casa de Clóvis Beviláqua convidá-lo para fazer a conferência sobre Teixeira de Freitas (...) Fez a conferência. A festa dos estudantes, no Teatro Municipal, teve a presidência de Rui Barbosa, que proclamou no adversário da véspera o “maior jurista brasileiro de todos os tempos”, entre as aclamações dos jovens. No centro do palco, aturdido com tantos aplausos, Clóvis também batia palmas. Julgava que a homenagem era dirigida a Rui, e não a ele”.

Como se vê, a responsabilidade assumida por Clóvis Beviláqua para elaborar o Código Civil Brasileiro, que foi promulgado em 1916, e que foi considerado o maior monumento de codificação jurídica da América, constituiu-se apenas num episódio de sua vida; outros aspectos da biografia desse renomado jurista podem ser conhecidos com a leitura da obra Clóvis Beviláqua  de Lauro Romero, filho de seu dileto amigo, Sílvio Romero, também publicado pela Livraria José Olympio Editora. Essa biografia será sempre uma leitura recomendável.





EFERÊNCIAS:
BARBOSA, Francisco de Assis. Retratos de Família. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1967.

ROMERO, Lauro. Clóvis Beviláqua. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1956.




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13 de fev. de 2025

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL


             


                   - por Pedro Luso de Carvalho

       
      Assegurar à mulher e ao homem a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, a segurança e à propriedade é dever do Estado, e uma vez violado um desses direitos, como por exemplo, ofensa à honra de uma pessoa, ao Poder Judiciário cabe decidir qual o valor a ser pago pelo ofensor, a título de reparação do dano (Constituição Federal, art. 5º, V e X, e Código Civil, art. 927). 

        Diz sobre o tema o jurista Araquém de Assis: “É imperioso na sociedade de massas inculcar respeito máximo à pessoa humana, frequentemente negligenciada, e a indenização do dano moral quando se verificar ilícito e dano desta natureza, constitui um instrumento valioso para alcançar tal objetivo. Indenização do Dano Moral, in RJ, p. 236”.

        Também Carlos Alberto Bittar manifesta-se sobre o tema: “São morais os danos a atributo valorativo (virtudes) da pessoa, como ente social, ou seja, integrada à sociedade; vale dizer, dos elementos que a individualizam como ser, como a honra, a reputação, as manifestações do intelecto. Responsabilidade Civil – Teoria e Prática, Forense Universitária, 1ª ed. RJ, 1989”. 

        O jurista Yussef Said Cahali ensina: “Dano moral, portanto, é a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado, sem repercussão patrimonial. Seja dor física - dor-sensação, como a denomina Carpenter - nascida de uma lesão material; seja a dor moral - dor-sentimento, de causa imaterial". Dano e Indenização, São Paulo, RT, 1980.

        Não é demais dizer que a indenização fixada pelo juiz por ofensa à honra não deve ser interpretada como mera compensação pelo dano sofrido, já que esta é de valor inestimável, mas com a finalidade de impedir a reincidência do ato ilícito. Daí falar-se do caráter pedagógico dessa pena.

        Mas, não se pode esquecer, no entanto, que se a pena indenizatória for fixada pelo magistrado em valor inferior ao que a fortuna do ofensor representa, de um lado, em contrapartida com dano causado à imagem proeminente do ofendido, por outro lado, têm-se a certeza de que não foi feita justiça, na sua integridade, e, em consequência, não se poderá esperar que quem fira a imagem de outrem possa aprender alguma coisa com esse tipo de pena, prolatada na sentença. Essa oportunidade pedagógica o juiz não pode perder, pela responsabilidade que tem para com a sociedade.





                                                                   
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29 de nov. de 2024

RUI BARBOSA – Soberania de Papelão



Naturalmente, quanto maiores os interesses em jogo, mais azado o ensejo para o florescer dessa indústria criminosa, dessa indústria de lesa-nação. Nenhum, portanto, a esse respeito, se compara com o das mudanças de presidente da República, o da eleição das candidaturas presidenciais. É então que, entre os da comandita abarcadora desse poder irresistível no mecanismo das nossas instituições, meia dúzia de sujeitos, da pior cotação moral no país, dispõe da magistratura suprema, e a soberania nacional, depois de se deixar adereçar, por alguns dias, das suas insígnias de papelão constitucional, volve aos quatro anos de sono até à outra vez de a alfaiarem, para nova solenidade, com as joias da coroa de bricabraque.


(In Rui Barbosa e o Exército. Conferência às Classes Armadas. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1949, p.35.)



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9 de nov. de 2024

PIERO CALAMANDREI & Sua Crônica



      –  Pedro Luso de Carvalho

PIERO CALAMANDREI nasceu na cidade de Florença, Itália, em 1889 e faleceu em 1956. Foi professor nas Universidades de Florença, Messina, Modena e Siena. Foi um dos poucos professores que não integrou o Partido Nacional Fascista. Em 25 de julho de 1945 foi eleito Reitor da Universidade Florentina. Foi um expoente da moderna escola de direito processual civil, além de renomado advogado. Fundou com Chiovenda e Carnelutti a Revista de Direito Processual (Rivista di diritto processuale). Em 1945 fundou a revista político-literária Il Ponte. Eleito para a Assembleia Constituinte fez parte da comissão encarregada de redigir o projeto da Constituição Italiana (foi deputado de 1948 a 1953).
De sua obra destacam-se: La chiamata in garantia (1913) – La cassazione civile (1920) – Studi sul processo civile (1930 - 57) – Elogio dei giudici scritto da un avvocato (1935) – Inventario della casa di campagna (1941) – Stituzione di diritto processuale civile (1941 - 44) – Scritti e discorsi politici (postumo 1966). Elogio dei giudici scritto da un avvocato foi traduzido para o português por Ary dos Santos, com o título Eles, os juízes, visto por nós, os advogados, e publicado pela Editora Livraria Clássica Editora, Lisboa, Portugal. Dessa obra, escolhemos uma das crônicas que o compõem, em homenagem aos advogados que já têm prateados os seus cabelos, e que, mesmo com a larga experiência de tribuna, ao assomá-la ainda sentem a mesma emoção das suas primeiras defesas.
Segue a crônica de Calamandrei (In Calamandrei, Piero. Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados. Tradução de Ary dos Santos. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 4ª ed., 1971, p. 178-179:

VI NO PALÁCIO DA JUSTIÇA, sob a porta de uma sala, um velho advogado que esperava, já de toga vestida, a sua vez de falar. Encostado com ar cansado à ombreira parecia estar em contemplação estática, as mãos cruzadas sobre o peito, em gesto de oração, alheio e penetrado de solidão no meio da turba barulhenta dos colegas. Observando-o, porém, mais de perto, vi que não estava a rezar, mas sim a medir, pelas pulsações e com o olhar fixo no relógio, os batimentos do coração.
Um colega indiscreto tirou-o daquele isolamento, perguntando-lhe com malícia se tinha febre, ao que o outro respondeu, como se tivesse acordado de um sonho: Dizem os médicos que os doentes do coração não devem discutir causas....Só nesse momento notei a palidez violácea da daquela cara e, nas fontes, debaixo de uma pele de cera, o trajeto marcado das pequenas artérias, nas quais o vulgo julga crer que esteja escrita a morte imediata. O oficial de diligências fez a chamada para o seu processo.
Entrou para a sala de audiências e quando daí a pouco eu lá entrei também, vi com admiração que o velho advogado, alquebrado e doente, se transformara, da bancada da defesa, num robusto orador cheio de vida, esbraseado pela discussão e agitando aquele pulso no qual, instantes antes, expiava o passo da morte em marcha. Agora, que estava em jogo a vitória do seu cliente, já não lhe vinha a ideia moderar o gesto mais brusco ou apóstrofe mais violenta, que por si só podia bastar para, na frágil consistência daquela pequena artéria, abrir o rasgão fatal.



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25 de set. de 2024

CLÓVIS BEVILÁQUA – Entrevista a João do Rio




- Pedro Luso de Carvalho


CLÓVIS BEVILÁQUA, um dos nossos maiores jurista, enviou carta do Recife para JOÃO DO RIO, no Rio de Janeiro, com respostas para uma entrevista que foi publicada no seu célebre Momento Literário, do jornal carioca, Gazeta de Notícias.

JOÃO DO RIO era um dos pseudônimos usados por João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, jornalista e escritor. O escritor faleceu quando contava com 39 anos, mas foi tempo suficiente para que tivesse produzido uma importante obra literária; isso se deveu, entre outros motivos, de ter se iniciado cedo no jornalismo - com apenas 16 anos. Escreveu para revistas e para o jornal Cidade do Rio, de José do Patrocínio. Depois, na Gazeta de Notícias, dou início às excelentes entrevistas; e, por meio desses veículos gráficos, distinguiu-se com crítico literário.

No trecho da entrevista concedida a João do Rio, para publicação na sua coluna Momento Literário, do jornal carioca Gazeta de Notícias, Clóvis Beviláqua discorre sobre o seu interesse pela ciência do Direito e faz referência às pessoas que lhe influenciaram, dentre eles, Sílvio Romero, Tobias Barreto, Jhering, Savigny.

Segue um o trecho da entrevista acima referida, concedida a João do Rio por Clóvis Beviláqua (In João do Rio. Momento Literário. Curitiba: Criar Edições, 2006, p. 79-80):



 ENTREVISTA COM CLÓVIS BEVILÁQUA
          (fragmento da entrevista)
             [JOÃO DO RIO]


Depois de ter concluído o meu curso de Direito foi que, por assim dizer, comecei a interessar-me por essa bela ciência, ao lado da qual passara cinco anos sem lhe perceber os encantos. Devo a Tobias esse inestimável serviço de me ter aberto a inteligência para ver o Direito. Durante o curso acadêmico, estudei apenas para cumprir as minhas obrigações e transitar pelas solenidades escolares sem apoio estranho, mas não podia dedicar afeição profunda a uma ciência na qual não descobria o influxo das ideias que me davam a explicação do mundo.

Incitado pelo ensino de Tobias e guiado por Jhering, vi o direito à luz da filosofia, da sociologia e da história. Savigny, Bluntschli, Roth, Glasson, Cimbali, d’Aguano, Cogliolo e Post, para citar apenas os mais característicos, deram-me a educação jurídica.

No Direito Penal, as minhas simpatias declaram, desde os primeiros momentos, pela terza scuola de Tarde, Alimenta e Liszt.

Mas, ainda que a história e a legislação comparada me dessem a contemplação do fenômeno jurídico no seu máximo brilho e em sua plenitude, é bem de ver que eu não me podia segregar do Direito Pátrio, cuja expressão me davam, principalmente, Coelho da Rocha, o mais completo discípulo de Melo Freire e Teixeira de Freitas, o maior dos nossos jurisconsultos.

Talvez pareça longa esta resposta. Mas não a podia dar mais concisa. A formação de um espírito se faz lentamente, por assimilações e adaptações sucessivas.

A história do espírito de cada um de nós reproduz, em miniatura, a história do pensamento de uma época. Mas eu me resumo, afinal. Os autores que mais contribuíram para a formação do meu espírito foram:

Em Literatura – Alencar, Taine, Sílvio Romero e Zola.
Em Direito – Tobias Barreto, Jhering, Post, Savigny e Glasson.
Em Filosofia – Litré, Comte, Spencer e Haeckel.



           
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29 de jul. de 2024

CONDOMÍNIO - Infiltração de Água




                   por Pedro Luso de Carvalho 
               

       
       Todas as pessoas que residem em apartamentos, ou que já passaram por essa experiência, têm ou tiveram experiências as mais desagradáveis no que diz respeito ao relacionamento com as demais pessoas que residem no mesmo edifício. A situação das pessoas que vivem nessa forma de agrupamento é inquestionavelmente muito desagradável. Cada morador quer apenas saber de seus ‘direitos’, confundindo quase sempre direito com interesse.
       
        Um dos problemas que afligem os moradores em edifício condominial é, sem dúvida, o desembolso de quantias que ultrapassam as parcelas fixas de condomínio, como é o caso da chamada extra de valores para a cobertura de despesas extraordinárias, por este ou aquele motivo. Tal medida só pode ser tomada pela maioria dos condôminos reunidos em assembleia, geral ordinária ou extraordinária, depois de o síndico ter providenciado a convocação de todos os condôminos para esse fim, comprovadamente.

        Um dos casos frequentes no que relaciona a chamadas extras diz respeito à infiltração de água, quase sempre no último andar do edifício, quer por vedação mal feita na laje de concreto ou no telhado, nos prédios novos, quer pelo desgaste de material em razão da ação do tempo, nos prédios antigos. Em qualquer uma das hipóteses (prédio novo ou antigo), quem passa por dificuldades é sempre o morador do último andar (às vezes os prejuízos, em razão das fissuras existentes, se estende ao penúltimo andar).

        O certo é que, nesses casos, todos os moradores fazem vistas grossas aos problemas existentes no último andar, onde fissuras na laje ou estragos no telhado, dependendo do caso, permitem que haja infiltração de água nos dias de chuva, ocasionando as mais diversas formas de danificação tanto no apartamento do morador do último andar como nos móveis, eletrodomésticos etc. que o revestem.

        Normalmente, quando isso ocorre, o síndico é o primeiro a saber, o que não quer dizer que venha a, de imediato, resolver o problema já que as medidas que vier a tomar, visando o conserto dessa parte do prédio, poderão implicar em somas elevadas para o condomínio; então o seu primeiro passo é convocação dos condôminos para assembleia geral extraordinária, colocando esse problema na ordem do dia, sempre atento para que todos sejam convocados para assim evitar anulação da assembleia caso seja ajuizada ação nesse sentido.

        Na assembleia, certamente será decidido pelos presentes, com base no Código Civil e na Convenção do Condomínio, que o referido dano deverá ser reparado com a contribuição de todos os condôminos, por constituir-se tal fato em dever do condomínio, uma vez que a fissura existente encontra-se na área comum do edifício, desta forma obrigando a todos os proprietários das respectivas economias.

        Se assim for a decisão da assembleia, estará amparada não apenas na legislação vigente como no entendimento mais recente da jurisprudência, como ocorreu no julgamento da ação declaratória e inexigibilidade de indébito promovida por um condômino que não se conformou com a decisão tomada em pela assembleia condominial, que decidiu que o reparo da fissura era de responsabilidade do condomínio, que foi julgada improcedente, em primeiro grau, cujo recurso interposto pela autora foi julgado pela Primeira Turma Recursal Cível, do Tribunal de Justiça do RS, em 09/03/2006, que, por sua vez negou-lhe provimento, como se vê pela sua ementa, in verbis:

        "Ação declaratória de inexigibilidade de débito. condomínio edilício. fissuras no último pavimento. deliberação em assembleia geral extraordinária, por maioria, de arrecadação da quantia necessária às reformas mediante chamada extra. conservação de parte comum do condomínio, que deve ser custeada por todos os condôminos, consoante convenção. quórum qualificado que não se aplica à hipótese. Recurso improvido." 




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