3 de mar. de 2024

PIERO CALAMANDREI & Sua Crônica



– PEDRO LUSO DE CARVALHO

PIERO CALAMANDREI nasceu na cidade de Florença, Itália, em 1889 e faleceu em 1956. Foi professor nas Universidades de Florença, Messina, Modena e Siena. Foi um dos poucos professores que não integrou o Partido Nacional Fascista. Em 25 de julho de 1945 foi eleito Reitor da Universidade Florentina. Foi um expoente da moderna escola de direito processual civil, além de renomado advogado. Fundou com Chiovenda e Carnelutti a Revista de Direito Processual (Rivista di diritto processuale). Em 1945 fundou a revista político-literária Il Ponte. Eleito para a Assembleia Constituinte fez parte da comissão encarregada de redigir o projeto da Constituição Italiana (foi deputado de 1948 a 1953).
De sua obra destacam-se: La chiamata in garantia (1913) – La cassazione civile (1920) – Studi sul processo civile (1930 - 57) – Elogio dei giudici scritto da un avvocato (1935) – Inventario della casa di campagna (1941) – Stituzione di diritto processuale civile (1941 - 44) – Scritti e discorsi politici (postumo 1966). Elogio dei giudici scritto da un avvocato foi traduzido para o português por Ary dos Santos, com o título Eles, os juízes, visto por nós, os advogados, e publicado pela Editora Livraria Clássica Editora, Lisboa, Portugal. Dessa obra, escolhemos uma das crônicas que o compõem, em homenagem aos advogados que já têm prateados os seus cabelos, e que, mesmo com a larga experiência de tribuna, ao assomá-la ainda sentem a mesma emoção das suas primeiras defesas.
Segue a crônica de Calamandrei (In Calamandrei, Piero. Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados. Tradução de Ary dos Santos. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 4ª ed., 1971, p. 178-179:

VI NO PALÁCIO DA JUSTIÇA, sob a porta de uma sala, um velho advogado que esperava, já de toga vestida, a sua vez de falar. Encostado com ar cansado à ombreira parecia estar em contemplação estática, as mãos cruzadas sobre o peito, em gesto de oração, alheio e penetrado de solidão no meio da turba barulhenta dos colegas. Observando-o, porém, mais de perto, vi que não estava a rezar, mas sim a medir, pelas pulsações e com o olhar fixo no relógio, os batimentos do coração.
Um colega indiscreto tirou-o daquele isolamento, perguntando-lhe com malícia se tinha febre, ao que o outro respondeu, como se tivesse acordado de um sonho: Dizem os médicos que os doentes do coração não devem discutir causas....Só nesse momento notei a palidez violácea da daquela cara e, nas fontes, debaixo de uma pele de cera, o trajeto marcado das pequenas artérias, nas quais o vulgo julga crer que esteja escrita a morte imediata. O oficial de diligências fez a chamada para o seu processo.
Entrou para a sala de audiências e quando daí a pouco eu lá entrei também, vi com admiração que o velho advogado, alquebrado e doente, se transformara, da bancada da defesa, num robusto orador cheio de vida, esbraseado pela discussão e agitando aquele pulso no qual, instantes antes, expiava o passo da morte em marcha. Agora, que estava em jogo a vitória do seu cliente, já não lhe vinha a ideia moderar o gesto mais brusco ou apóstrofe mais violenta, que por si só podia bastar para, na frágil consistência daquela pequena artéria, abrir o rasgão fatal.



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18 de nov. de 2023

REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS EM DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL


Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS)





- por Pedro Luso de Carvalho



A Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul julgou, em 03 de julho de 2009, em Decisão Monocrática proferida pelo Des. Ricardo Raupp Ruschel, Relator, o recurso de Agravo de Instrumento nº 70030124168, originário da Comarca de Erechim, tendo por agravante A.D.M. e como agravado A.C.C., em cujo processo são partes, na Ação de Dissolução de União Estável cumulada com Regulamentação de Visitas, em tramitação na referida comarca. Na vara de origem, o pedido da aludida regulamentação, pelo pai do menor, foi indeferido pelo juiz de primeiro grau, que levou em conta a declaração da mãe da criança, que disse ser favorável à visitação livre. Segue a ementa da referida decisão:


"AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. CABÍVEL A REGULAMENTAÇÃO DO DIREITO DE VISITAS, PROPICIANDO UMA RELAÇÃO DE MAIOR PROXIMIDADE ENTRE O MENOR E O PAI. EM RAZÃO DOS CONFLITOS EXISTENTES ENTRE AS PARTES, CONVENIENTE A FIXAÇÃO DAS VISITAS DO GENITOR AO FILHO PELO JUÍZO, OBSERVADA A EVENTUAL NECESSIDADE DE AMAMENTAÇÃO DA CRIANÇA. RECURSO PROVIDO.


Adiante a decisão, na íntegra: "Vistos. Trata-se de agravo de instrumento interposto por ANDRÉ D. M. contra a decisão (fls. 141 e 142) que, nos autos da ação de dissolução de união estável que lhe move ANA C. C., indeferiu o pedido de regulamentação de visitas ao filho comum pleiteado em sede de reconvenção, tendo em vista a manifestação da genitora, favorável à visitação livre.


Em suas razões recursais (fls. 02 a 10), sustenta o agravante, em suma, que está sem conviver com o filho há mais de dois meses em razão de obstáculos estabelecidos pela agravada, a qual tenta de todas as formas afastar o pai e toda a sua família do convívio com a criança.


Assevera que “visitas livres” para a agravada significam visitas de acordo com a sua disponibilidade. Destaca que diante da falta de estipulação de visitação com dias e horários certos, a agravada tem liberdade para dificultar a proximidade do pai com o filho, desprezando as dificuldades com deslocamento enfrentadas pelo agravante para poder visitá-lo.


Alega que a intenção da agravada em afastar o genitor do convívio com o filho é decorrente da não obtenção da pensão alimentícia no valor por ela desejado. Requer o provimento do recurso, para que sejam regulamentadas as visitas quinzenalmente, no primeiro e terceiro finais de semana do mês, inicialmente sem pernoite, devendo a agravada levar o filho até o hotel no sábado e no domingo às 9h e buscá-lo às 18h. Ademais, requer que após os dois primeiros meses as visitas passem a ser com pernoite, permanecendo o agravante em Erechim com o filho, acompanhado do carrinho do bebê, roupas, mamadeiras, brinquedos e todo o indispensável para que a criança tenha conforto na companhia do pai.


O pedido de efeito suspensivo foi deferido (fl. 160), autorizando o agravante a visitar o filho quinzenalmente, nos primeiros e terceiros finais de semana de cada mês, sem pernoite, das 9h às 17h de sábado e de domingo, observada a eventual necessidade de amamentação da criança. Manifestou-se o Ministério Público nas fls. 165 a 170 opinando pelo provimento do recurso. Vieram-me os autos conclusos, para julgamento. É o relatório. Merece prosperar a pretensão.


Insurge-se a agravante contra a decisão que, nos autos da ação de dissolução de união estável ajuizada por ANA CAROLINA C., não reconsiderou a manifestação do pleito liminar deixando de estabelecer horário de visitas ao filho comum, tendo em vista a manifestação materna, favorável à visitação livre. A irresignação prospera, impondo-se reproduzir, porque eficientes ao julgamento da causa, já que nenhum novo elemento foi adicionado aos autos, os argumentos lançados quando do exame liminar, nestes termos:

(...)
Ao que se observa do arrazoado e dos documentos anexados, a “visitação livre” ao filho Pedro não tem se concretizado. Nesta hipótese, até para evitar maior desgaste ao relacionamento do casal, compete ao juízo a fixação das visitas do genitor não guardião ao filho, uma vez inexistente qualquer indicação que desautoriza tal visitação, que deveria ser “livre”.


Defiro, assim, o efeito suspensivo, autorizando o ora recorrente a visitar o filho Pedro quinzenalmente, nos primeiros e terceiros finais de semana de cada mês, sem pernoite, das 9:00 até as 17:00, de sábado e de domingo, observada, entretanto, a eventual necessidade de amamentação da criança, com nove meses de vida.

(...)
Nada mais é preciso acrescentar. Do exposto, em decisão monocrática, dou provimento ao recurso, no sentido de confirmar a decisão lançada no exame liminar do feito. Intimem-se. Porto Alegre, 03 de julho de 2009.Des. Ricardo Raupp Ruschel, Relator."


26 de out. de 2023

A SENTENÇA DEFINITIVA NA DOUTRINA




- Pedro Luso de Carvalho


O tema do artigo anterior a este foi a sentença dos artigos 458 a 466, do CPC; deixei para outra oportunidade a abordagem da Coisa Julgada (arts.467-475). Ao final do referido artigo, disse que após essa postagem viria abordar a sentença na doutrina, como de fato será feita tal abordagem doutrinaria; e começo com o jurista GABRIEL REZENDE FILHO, que foi escritor processualista e professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.


Para GABRIEL REZENDE FILHO (in Curso de Direito Processual Civil, 3 vols., publicado pela Editora Saraiva, São Paulo, em 1968), sentenças são as decisões do juiz, as quais podem ser interlocutórias, terminativas e definitivas. Diz o jurista ,que as sentenças interlocutórias decidem algum incidente do processo, sem lhe por fim. As sentenças terminativas põe fim ao processo, sem lhe resolverem, entretanto, o mérito. As sentenças definitivas são as que decidem o mérito da causa, no todo ou em parte. E são justamente estas, as sentenças definitivas, que serão objeto do restante do trabalho.


Sobre as sentenças definitivas, diz GABRIEL REZENDE FILHO: “Ao direito de ação, como se sabe, corresponde o dever jurisdicional do Estado. A sentença definitiva satisfaz esse dever, extinguindo o direito de ação”. Diz o jurista que a sentença, como fato jurídico, é analisado pelo processualista uruguaio, na sua obra Fundamentos del Derecho Procesual Civil , da qual se extrai que a “prestação positiva que o Estado dispensa ao cidadão, não como titular de um direito privado material, mas como titular de um direito cívico, que é a ação”.


Adiante, GABRIEL REZENDE FILHO diz que sobre o problema da gênese ou fundamento da sentença, divergem os autores; para uns, a sentença é apenas um juízo, no 'sentido lógico', que ao proferí-la “faz o juiz o silogismo em que a premissa maior é a norma legal, a premissa menor, o fato ou relação controvertida, e a conclusão, a aplicação da norma legal ao fato; o silogismo é apenas a operação da mente e não da vontade do juiz, pois este deve ater-se sempre aos preceitos aplicáveis à espécie e às circunstâncias da causa”. E aduz: esse é o pensamento de WACH, COVIELLO, ALFREDO ROCCO, UGO ROCCO, ZANOBINI, JOÃO MONTEIRO, AFONSO FRAGA, entre outros.


Na época em que vigia o código revogado pelo diploma de 1973, sustentavam outros processualistas que, como ato do órgão jurisdicional, a sentença não tem valor enquanto é apenas juízo lógico: “a argumentação ainda que perfeita, não basta em si mesma para dar à sentença a autoridade que lhe é característica”. Para GABRIEL REZENDE FILHO, de seu aspecto lógico, a sentença não tem mais força que um simples parecer proferido sobre questão de um particular, sintetizando que “a sentença é, ao mesmo tempo, uma operação de inteligência e de um ato de vontade”. O jurista acrescenta que essa é a doutrina de CHIOVENDA, CALAMANDREI, CARNELUTTI, REDENTI, BETTI, MENESTRINA, BÜLOW, UNGER, entre outros.


Para CHIOVENDA (in Instituzione de Diritto Processualle Civile), O juiz não é apenas um lógico, mas um magistrado. Assim se expressa a célebre jurista italiano: “Uma vez atingido o objetivo de dar formulação à vontade da lei, o elemento lógico perde, no processo, toda importância. Os fatos permanecem o que eram, nem pretende o ordenamento jurídico que sejam considerados verdadeiros aqueles que o juiz considera como base de sua decisão; antes, nem se preocupa em saber como se passaram as coisas, e desinteressa-se completamente dos possíveis erros lógicos do juiz. Limita-se a afirmar que no caso da lei no caso concreto é aquilo que o juiz afirma ser a vontade da lei. O juiz, portanto, enquanto raciocina, não representa o Estado; representa-o, quando lhe afirma a vontade. A sentença é unicamente a afirmação ou negação de uma vontade do Estado, que garante a alguém um bem de vida.”


Quanto ao pensamento de EDUARDO COUTURE, é também expressiva sua afirmação (obra cit.nº125) que “a sentença é uma operação de caráter crítico. O juiz escolhe entre a tese do autor e a do réu (ou, eventualmente, de um terceiro) a solução que lhe parece mais ajustada ao direito e à justiça. Este trabalho desenvolve-se através de um processo intelectual, por etapas sucessivas. A sentença - conclui o eminente professor uruguaio - é um processo crítico, no qual a lógica desempenha um papel altamente significativo, mas que culmina necessariamente em ato de vontade”.


Para CALAMANDREI (Studii sul Processo Civile, vol.2.º, pág 214), “em toda a sentença existe um ato de vontade: o que a distingue do parecer jurídico não é o elemento lógico, que nela põe o juiz como homem que pensa e raciocina, mas o elemento volitivo que nela coloca como representante do Estado”.


CARNELUTTI (Sistema di Dirito Processuale Civile, vol. 1.º, nº.º93) também afirma que “a sentença de um ato de inteligência, é, antes de tudo, um comando, um ato de vontade do Estado. A sua natureza de comando é o prius lógico de sua eficácia: a obrigação e o comando não são, com efeito, senão a mesma coisa, vista de lados diferentes”.


Para alguns processualistas, WACH, por exemplo, “o elemento volitivo da sentença é o mesmo elemento volitivo da lei. A autoridade da sentença nada mais é do que aplicação obrigatória da lei: a sentença é a concretização da vontade da lei.”


BÜLOW, porém, sustenta que “a sentença pode criar o direito objetivo, sendo necessário distinguir entre a norma legal abstrata e a norma especial concreta, que é a sentença. Na lei, há um comando geral e abstrato; na sentença, um comando particular e concreto. A formação desse comando particular e concreto tem, consequentemente, alguma coisa de autônomo, de independência do comando abstrato.


Parece-nos possível conciliar a divergência entre os autores - afirma GABRIEL REZENDE FILHO - , considerando que, se a sentença deve ajustar-se, apoiar-se na lei, nem sempre, porém, com ela se identifica. Não há dúvida que ao juiz cumpre adaptar inteligentemente a fórmula geral e abstrata da lei ao acaso particular, mas o seu trabalho não é mecânico e passivo, antes de transformação e de adaptação.


Dentro dos limites mais ou menos vagos impostos pela lei – conclui Gabriel de Rezende Filho - , o juiz pode agir com relativa liberdade e constituir-se, destarte, como elegantemente diz FRANCISCO FERRERA (Interpretação e Aplicação das Leis, pág. 1), no instrumento vivo, que transforma a regulamentação típica imposta pelo legislador na regulamentação individual das relações dos particulares, traduzindo o comando abstrato da lei no comando concreto entre as partes, formulado na sentença.

20 de set. de 2023

HISTÓRIA DO PROCESSO CIVIL - PARTE X (Final)




PEDRO LUSO DE CARVALHO

Na nona parte de nosso trabalho, sobre a História do Processo Civil, fizemos menção ao Decreto nº 848, de 1890, editado para organizar a justiça federal e a justiça local, e que também dispunha que os Estados deveriam legislar sobre as suas organizações judiciárias e processos. Também dissemos que, quanto ao direito civil, comercial e penal da República, e ainda, ao direito processual da justiça federal, constituíam-se em legislação privativa da União.
Ainda, filiados ao já mencionado Regulamento 737, de 25 de novembro de 1850, e ante o dispositivo constitucional, os Estados começaram a editar os seu códigos de processo. Em 1930, o Estado de São Paulo teve o seu Código de Processo Civil, com a promulgação da Lei nº 2.421, de 14 de janeiro de 1930.
A unidade processual no Brasil deu-se, no entanto, pela Constituição Federal de 16 de julho de 1934, que estabeleceu o prazo de três meses para que o Estados editassem as respectivas leis, para instituir os Códigos de Processo Civil e Penal da República. Essas mudanças, levadas a efeito pelo Poder Legislativo, vieram atender as aspirações de um número expressivo de juristas brasileiros. Esse dispositivo constitucional, no entanto, não chegou a ser cumprido.
O regime de unidade do direito material e processual foi mantido pela Constituição de 18 de setembro de 1946. O Código de Processo Civil promulgado pelo Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939 entrou em vigor a 1º de março de de 1940. [O art. 1º do D.L. Estatuía no seu art. 1° que “o processo civil e comercial, em todo o território brasileiro, reger-se-á por este Código, salvo o dos feitos por ele não regulados, que constituam objeto de lei especial”].
Como bem salientou o professor Gabriel Rezende Filho (Curso de Direito Processual Civil, vol I, São Paulo, Saraiva, 1968, p.44), in verbis: “Limitou, assim, o legislador, sem motivo plausível, o campo do Código, deixando à margem vários institutos processuais regulados anteriormente a ele e permitindo, ainda, a possibilidade de leis especiais e posteriores”.
Diz mais, o mestre Rezende Filho, sobre a aprovação do Código de Processo Civil de 1939, que passou a viger no ano de 1940: “Continuam, pois, em vigor, muitas leis sobre matéria processual, não regulada no Código, por exemplo: ação de renovação de letra de câmbio, executivos fiscais, despropriações, ações de acidente de trabalho, falências e concordatas, processo de naturalização, organização e proteção da família, processo sobre minas e outros”.
O passo seguinte, no que tange ao Direito Processual Civil, deu-se com a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que o instituiu, e que ainda se encontra em vigor neste ano de 2011, com as muitas alterações sofridas nesse longo período de tempo, que separa este ano com o de 1973. E como o “novo” Código vem sendo objeto de estudos no dias atuais, entendo que podemos ficar por aqui com a História do Processo Civil – é o que fazemos.



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27 de ago. de 2023

HISTÓRIA DO PROCESSO CIVIL – PARTE IX



PEDRO LUSO DE CARVALHO

Como dissemos na oitava parte de a História do Processo Civil, que na seguinte - nesta, portanto -, abordaríamos o direito no período pós independência do Brasil, quando o direito português continuou a vigorar entre nós por muito tempo, faremos agora tal abordagem.
Algumas leis aboliram determinados dispositivos das Ordenações, prenúncio do direito novo. Gabriel Rezende Filho (in Curso de Direito Processual Civil, op. cit., p. 44-45) diz que:
Disposição Provisória acerca da administração da justiça civil, anexa à Lei de 29 de novembro de 1832, que promulgou o Código de Processo Criminal do Império, aboliu o juramento de calúnia e a fiança às custas; extinguiu cargos de "inquiridores de testemunhas"; suprimiu a réplica e a tréplica e quaisquer embargos antes da sentença final, salvo nas ações sumárias onde tais embargos serviam como contestação; reduziu os agravos de petição e de instrumento a agravos no auto do processo; simplificou a organização das cartas de sentença para efeito de execução.
Prossegue Rezende Filho a enumerar as mudanças referidas acima, dizendo que "O Regulamento de 1842 estabeleceu o processo verbal e sumaríssimo perante os juízes de paz e os casos e o processo dos agravos."
O mestre paulista fala ainda do surgimento, em 25 de novembro de 1850, do Regulamento 737, bem como da comissão que o elaborou, presidida pelo Ministro Eusébio de Queirós e constituída por José Clemente, Nabuco de Araújo, Carvalho Moreira, Caetano Alberto e o Barão de Mauá. Rezende Filho dá ênfase a técnica notável do Regulamento, por sua "linguagem clara e precisa e pela simplificação dos atos e termos processuais".
É de ser ressaltado, também, a importância do processo hipotecário, implantado por lei de 1864, e que, por lei de 1886, foi aplicado ao cível, e, igualmente, aplicado a parte do Regulamento 737 sobre as execuções.
Ainda no Império, destacavam-se como importantes conhecedores do processo: Paula Batista, Teixeira de Freitas e o Barão de Ramalho.
Após a Proclamação da República (1822), em 1889 foi editado, pelo Governo Provisório, o Decreto nº 763, de 19 de setembro de 1890, visando a aplicação do Regulamento 737 ao cível, "salvo - salienta Resende Filho - quanto às disposições das Ordenações relativas a processos especiais, como as ações possessórias e outras, além dos feitos da jurisdição graciosa, dos quais o Regulamento 737 não cogitava."
Já o Decreto nº 848, de 1890, foi editado para organizar a justiça federal e a justiça local. Esse Decreto também dispunha que os Estados deveriam legislar sobre as suas organizações judiciárias e processos. Quanto ao direito civil, comercial e penal da República, e ainda ao direito processual da justiça federal, constituíam-se em legislação privativa da União.




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6 de ago. de 2023

HISTÓRIA DO PROCESSO CIVIL – PARTE VIII



– PEDRO LUSO DE CARVALHO

Na sétima parte de a História do Processo Civil, abordamos o desenvolvimento do direito no século XV, em especial na França e Alemanha. Também fizemos menção à primeira universidade fundada em Lisboa, em 1298, por D. Diniz, que, mais tarde, em 1308, foi transferida para Coimbra, que se encontra em plena atividade nos dias atuais. Essa universidade passou a ensinar direito romano, por ordem de D. Diniz, que mandou traduzir a Lei das Sete Partidas, do sábio Afonso X, Rei de Castela, que exerceria forte influência nas primeiras Ordenações. As Ordenações Afonsinas, compostas de 5 livros – a primeira codificação da Europa -, foram promulgadas em 1446, no reinado de Afonso V.
Gabriel Rezende Filho ensina (in Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 1968, p. 40-41) que “O processo para as demandas de pequeno valor era, então, exclusivamente oral, devendo os escrivães tomar nota, em seus protocolos, das questões e das respectivas sentenças”. Os juízes tinham a obrigação de, preliminarmente, tentar conciliar as partes. Era escrito o processo, quando se tratava de demandas de maior valor. Nesses casos, eram juntados aos autos as petições, documentos, bem como outras peças pertinentes à instrução.
No tocante aos atos processuais, mencione-se: o libelo; juramento de calúnia, mediante a declaração do autor que não usaria da fraude nem tergiversação no litígio; contestação; artigos novos de libelo; nova contestação. Não havia limites determinados para essa fase postulatória.
As Ordenações Afonsinas vieram as Ordenações Manuelinas, de 1521, que modificaram o processo comum: libelo, exceções ou defesa indireta; contrariedade, réplica e tréplica; prazo para o autor oferecer novos artigos “cumulativos, dependentes e de nova razão”; dilação probatória, prorrogável ao arbítrio do juiz; alegações finais escritas e sentença.
No ano de 1578, D. Sebastião extinguiu, nas ações ordinárias, os “artigos cumulativos, dependentes de nova razão”, visando resumir a tramitação das ações, havendo permissão de nova razão apenas na segunda instância.
Em 1603, o Livro 3º das Ordenações Filipinas não alterou essa ordem processual; manteve o que previa as Ordenações Manuelinas (fases postulatória, probatória, decisória, correndo as causa em audiências, respeitando os prazos prefixados.
Como preleciona Rezende Filho, “o processo era escrito, sendo dirigido pelas partes com o mínimo de iniciativa dos juízes”. E mais: “Ao lado do processo ordinário, havia o sumário, de origem canônica, como mostramos, e o especial para certas ações, como as possessórias, as de despejos, as assinações de dez dias e os executivos fiscais” (in obra cit.)
Rezende Filho também diz que foi extraordinária a cultura dos portugueses desse tempo, mencionando os nomes de Velasco, Pegas, Cabedo, Gama, Febo, Guerreiro, Cordeiro, dentre outros, como práticos, no campo do processo, de enorme prestígio e sabedoria. Faz menção, ainda, a Mello Freire, que foi o fundador da ciência do direito civil em Portugal, e Pereira e Souza, autor de Primeiras Linhas Sobre o Processo, obra notável, que foi anotada e adaptada ao Brasil pelo insigne Teixeira de Freitas.
Escritor fecundo – ensina Rezende filho – foi, ainda, ALMEIDA E SOUZA, cognominado LOBÃO, cujo valor, como jurista, foi posto em dúvida por LAFAYETTE, mas de quem dizia RUI BARBOSA ser 'irrivalizado entre os nossos praxistas na erudição e na abundância da doutrina”.
Dentre os trabalhos deixados por Lobão, mencione-se as Segundas Linhas, que comenta a obra de Pereira e Souza. Também é de ser mencionada a monografia sobre as execuções, escrita por Leite Velho, bem como ao que Correia Telles, acrescentou ao Digesto sobre processo, bem como a obra Doutrina das Ações, que nos legou.
Na próxima parte sobre a História do Processo Civil -que será a nona, -, faremos a abordagem do direito no período pós independência do Brasil, quando o direito português continuou a vigorar entre nós por muito tempo.


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23 de jul. de 2023

HISTÓRIA DO PROCESSO CIVIL – PARTE VII






PEDRO LUSO DE CARVALHO


Na parte anterior da História do Processo Civil, fizemos rápida abordagem sobre o direito canônico, dizendo que o Papa Clemente V instituiu-o no século XIV, pela constituição “Clementina Saepe”. E mais: que o direito canônico influiu para o estabelecimento do processo sumário, despido que é, este, das formalidades que são próprias do processo comum, e, por isso, em muito diferindo um processo do outro; no primeiro, procedendo-se simpliciter et de plano, ac sine strepitu et figura judicii.
Já o maior desenvolvimento do direito começou no século XV, cujo período teve a denominação de 'culta jurisprudência' (Mario Bellavitis, Diritto Processuale Civile). Na França e na Alemanha importantes escolas jurídicas se multiplicaram, sendo que Cujácio foi o precursor da escola francesa. Vemos ainda, nesse período, a poderosa influência em países da Europa - Portugal, inclusive -, na formação das leis processuais.
João Mendes ensina que o processo de Portugal era uma mescla do processo romano com as opiniões dos glosadores e as regras do direito canônico. Passando pela conquista da Ibéria pelos suevos no século V, verifica-se a dominação definitiva dos visigodos no ano 585, e que embora vencedores submeteram-se, à autoridade moral dos bispos e ao prestígio das leis romanas.
Essa submissão dos bárbaros visigodos refletiu-se na decisão de seu rei, Alarico, quando ordenou a organização do Breviarium, que se constituiu num resumo das leis romanas. Mais tarde surgiu o Código Visigótico ou Fuero Jusgo, sob o qual submeteu-se a Península Ibérica nos séculos em que se deu a dominação dos visigodos e sarracenos.
Mesmo com o surgimento dos árabes, vindos da África, no século VIII (714), o direito continuou ainda a ser o romano gótico. Nesse período, era cada vez maior a influência do direito canônico.
No ano de 1139 Portugal livrou-se da tutela da Espanha, e o Rei Afonso Henrique teve o reconhecimento de tal independência pelo Papa Inocêncio II. Nessa época, se faziam presentes os forais, ou seja, cartas reais nas quais os súditos recebiam a concessão de privilégios e de direitos. Como preleciona Gabriel Rezende Filho, “Essa legislação caótica, fragmentária, manteve-se por muito tempo ainda”.
Em Portugal, a primeira universidade foi fundada em Lisboa, em 1298, por D. Diniz. Em 1308 deu-se sua transferência para Coimbra, que séculos mais tarde atraiu a atenção de muitos brasileiros, que se tornaram famosos não apenas no campo jurídico, mas também na poesia e na literatura. Nos dias atuais, a universidade de Coimbra ainda é uma referência no ensino do direito.


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7 de jul. de 2023

HISTÓRIA DO PROCESSO CIVIL – PARTE VI



  – Pedro Luso de Carvalho
No nosso trabalho anterior – História do Processo Civil – Parte V – falamos sobre os glosadores, e, na oportunidade, dissemos que a denominação glosadores deveu-se às notas (glosas) – interlineares ou marginais, ou seja, feitas entre as linhas ou à margem do texto. Também dissemos que a escola dos glosadores dominou nos séculos XII e XIII (de 1100 a 1300), e que a sua fase de esplendor vai de 1100 a 1250, e que os restantes 50 anos são período de transição entre essa escola (glosadores) e a dos pós-glosadores. Entre essas duas escolas constata-se que há uma transição sem antagonismos.
No que diz respeito à importância dos glosadores – tema abordado por nós no texto anteriormente publicado - para o desenvolvimento do estudo jurídico, diz José Carlos Moreira alves (in Direito Romano, 2ª. ed. Rio de Janeiro, Borsoi, 1967, p. 69):
Graças aos glosadores – comentaram eles quase todo o Corpus Iuris Civilis, conhecendo-o como até hoje ninguém o conheceu -, o direito romano se tornou acessível aos juristas medievais, que o estudaram pelas glosas. Foram eles, portanto, que possibilitaram fosse o direito romano a base do direito privado moderno. Demais, não tendo antecessores, tiraram de si os seus conhecimentos, e realizaram trabalho ainda hoje muito útil ao estudioso do direito romano e do direito privado moderno.
O mestre do Direito Processual Civil italiano, Chiovenda (Instituzioni di Diritto Procesuale Civile, nº 11), ensina:
Os glosadores mantendo frequentes contatos com a prática e estando familiarizados com o processo consuetudinário de seu tempo, germânico no fundo, mostravam-se amiúde dispostos a interpretar os textos, por si difíceis, das fontes romanas, descobrindo-lhes afinidades com os institutos processuais em vigor. Essa tendência, acrescenta, torna-se mais manifesta nos pós-glosadores, induzindo-os a forçar, de propósito, a letra e o espírito das leis romanas, com o fim de encontrar um ponto de apoio para a justificação e manutenção de institutos germânicos então profundamente radicados ao uso, revestindo-os de trajes romanos. Acresceu a isso que as formas do processo romano, acolhidas e modificadas pelo processo canônico, pela grande influência deste, incorporavam à prática geral, antes com as novas vestes que com as próprias; pelo que ao processo instituído nesse tempo era costume chamar-se também romano-canônico.
No seu Curso de Direito Processual Civil (vol I, Rio de Janeiro, Saraiva, 1968, p. 39), Gabriel Rezende Filho faz referência ao processo romano-canônico, a que se referiu Chiovenda: “Neste processo, de origem romana havia o procedimento escrito, a prova e a sentença, e de origem germânica, a intervenção de terceiros e a prova legal”.
E, no que respeita ao direito canônico, diz que este influiu para o estabelecimento do processo sumário, despido que é, este, das formalidades que são próprias do processo comum, e, por isso, em muito diferindo um processo do outro; no primeiro, procedendo-se simpliciter et de plano, ac sine strepitu et figura judicii.
Quanto ao direito canônico, instituiu-o O Papa Clemente V, no século XIV, pela constituição “Clementina Saepe”.

  
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10 de jun. de 2023

HISTÓRIA DO PROCESSO CIVIL – PARTE V




– Pedro Luso de Carvalho

Na última postagem sobre o nosso tema, História do Processo Civil (Parte IV), terminamos falando sobre o período germânico, em que a assembleia dos membros do povo, o ding, era o titular da jurisdição, sobre o qual escreve Goldschmidt (Direito Processual Civil, § 40). Também falamos no juramento decisório e na prática de provas cruéis, onde, às vezes, o litigante perdia a própria vida. Abordamos igualmente a prova testemunhal, em que as testemunhas, nesse período germânico, limitavam-se a tão-somente atestar a credibilidade dos litigantes, e não em depor acerca dos fatos da causa, como preleciona Gabriel Rezende Filho, in Curso de Direito Processual Civil, vol. I, São Paulo, Saraiva, 1968.
Prosseguindo na História do Processo Civil, vamos enfocar o período do chamado processo comum' que surgiu, mais tarde, com o aparecimento das primeiras universidades em vários pontos da Europa, que dominou até o século XVI. Sobre esse longo período, alguns processualistas o dividem em três partes: a) período dos glosadores (de 1000 a 1270); b) período dos pós-glosadores (de 1270 a 1400); c) período da culta jurisprudência (de 1400 à metade do século XVI).
É interessante apontar a universidade mais antiga e famosa, que foi a de Bolonha. Seu fundador foi Irnerio; e 1088 foi o ano de sua fundação. Os discípulos de Irnerio deram-lhe o cognome de Lucerna juris, ou seja, archote do direito. E foi desta universidade surgiu o movimento científico dos 'glosadores', que dela se irradiou.
Como mencionamos o movimento dos glosadores, não é demais dizer, pelas lições de Rezende Filho, que “'glosa' é sinônimo de nota: os jurista desta época chamavam-se glosadores porque anotavam os textos do Digesto por meio de glosas interlineares e marginais”.
Do século XII ao século XVI fundaram-se outras universidades, entre elas as de Paris, Montpéllier, Viena, Heidelberg, Roma, Pádua, Louvain, Leipzig.
Ensina Rezende Filho, que Accursio, posteriormente, resumiu na Glosa ordinária toda a ciência jurídica de seu tempo e Durantis publicou o afamado Speculum Judiciale. A glosa - prossegue -, tinha enorme autoridade e os discípulos de Accursio foram chamados de pós-glosadores, destacando-se, dentre outros, Baldo, Bartolo de Sassoferrato, Oriano, Ferrari e outros.
Na próxima postagem continuaremos com História do Processo Civil.


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6 de mai. de 2023

HISTÓRIA DO PROCESSO CIVIL – PARTE IV




PEDRO LUSO DE CARVALHO

Na época dos imperadores o processo ficou bastante simplificado. Aos poucos a dispensa das fórmulas pretorianas foi sendo admitida. Passou a ser facultado às partes, em alguns casos, a possibilidade de dirigirem-se diretamente aos juízes. E no ano 294 o sistema formulário foi abolido pelo Imperador Diocleciano, que determinou a observação do processo da cognitio extraordinária. Com isso a tradicional divisão do procedimento in jure e in judicio ficou extinta. A partir daí os juízes passaram a ser funcionários do Estado, cuja competência para conhecerem os litígios começava com a petição inicial e se estendia à execução de sentença.
Como preleciona Gabriel Rezende Filho (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, São Paulo, Saraiva, 1968), eram as seguintes as características do processo extra ordinem:
- a citação não se fazia mais sob a forma de in jus vocatio, isto é, levando o credor e o devedor a juízo, mas pela litis denunciatio;
- a possibilidade do processo funcionar sem a presença do réu, admitindo-se a sua revelia;
- a litiscontestatio era apenas um momento ideal do processo, quando se encerrava o período da postulação;
- a sentença não constituía uma parecer do árbitro, como antigamente, mas uma edição emanada de uma autoridade pública;
- o recurso comum era a appellatio, com efeito suspensivo, devolvendo-se o conhecimento da causa ao juízo superior;
- a execução se fazia pelo sistema da pignus in causa judicati captum, isto é, pela penhora de tantos bens do vencido quantos bastassem para a garantia da execução.
Com a ruína do Império Romano e a invasão dos bárbaros no sul da Europa, despareceu a unidade política romana. Uma consequência dessa derrocada para o processo foi a infiltração que se deu aos poucos do processo germânico, que transfundiu vários de seus princípios no velho processo romano, resultando na formação do processo romano-barbárico, como era chamado; esse processo dominou do ano 568 ao ano 1000 (desde os longobardos e francos até o período feudal).
No período germânico, observa Goldschmidt (Direito Processual Civil, § 40), titular da jurisdição era a assembleia dos membros livres do povo, o ding. Os juízes não passavam de investigadores do direito, de promotores da instrução das causas. A todos estendiam os efeitos das sentenças proferidas pelas assembleias. Nesse processo, inferior ao processo romano, eram admitidas as ordálias ou juízos de Deus, e não como ocorria com o processo romano, em que os juízes decidiam os litígios com base nas alegações e nas provas produzidas pelas partes.
Havia um juramento decisório – ensina Rezende Filho – e a prática de provas cruéis onde, às vezes, o litigante perdia a própria vida... A prova, por sua vez, era considerada não como um ônus, mas como um direito, e, por isso, cabia ao réu. Ponto curioso, no que diz respeito à prova testemunhal, é que as testemunhas limitavam-se a tão-somente atestar a credibilidade dos litigantes, e não de depor acerca dos fatos da causa.
      
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10 de mar. de 2023

HISTÓRIA DO PROCESSO CIVIL – PARTE III



 PEDRO LUSO DE CARVALHO

Terminamos a segunda parte da História do Código de Processo Civil com a referência feita por Gabriel Rezende Filho sobre a obra de EDUARDO CUQ (Instituctions Juridiques das Romains, vol. 1º, pág. 141), que nela aborda as formas de execução:
A outra forma de execução – pignoris capio – surgiu mais tarde. Consistia na apreensão de bens bens do devedor. O credor, uma vez obtida sentença favorável, tinha o direito de apreender extra jus, isto é, sem ordem do juiz – diz Rezende -, os bens do devedor, a fim de se pagar. Cumpria o magistrado, porém, ordenar, em seguida, a venda deste bem em praça pública.
Em Roma apareceram as figuras dos cônsules e dos pretores, com a vitória dos plebeus e a conseqüente queda da realeza. Registra-se, nessa época, feitos importantes dos romanos: 1) a conquista de vastos territórios da Itália; 2) intercâmbio e aumento dos negócios. Em razão disso, ficou constatado que a proteção dos direito não era mais possível com as velhas fórmulas ou ações. A saída eram as fórmulas livres, com abrangência para todos os casos, que deveriam ser autorizadas pelo Magistrado.
Então foi editada a Lei Aebutia, que aboliu as primitivas Legis actiones, que seriam aplicadas apenas aos casos específicos que comportariam sua aplicação.
E no ano 126 A. C. A foram editadas as Leis Juliae judiciorum privatorum e judiciorum publicorum introduziram o sistema das fórmulas. Esse foi um período importante pelo conjunto das mudanças que se verificaram no direito dos romanos. A divisão do procedimento in jure in judicio foi mantida. Ao pretor cumpria examinar o que pedia o autor; o pretor então indicava no álbum pretoriano a ação que queria propor – edictio actiones.
Cabia ao pretor ouvir a defesa do réu e remeter a decisão do litígio ao árbitro, desde que a espécie comportasse ação. O autor então recebia a fórmula do pretor, na qual constava a indicação da ação, a lei a ser aplicada. A fórmula continha também a ordem do árbitro para, nos seus termos, condenar ou absolver o réu: si paret, condemna, si non paret, absolve.
Ensina Gabriel Rezende Filho (in Curso de Direito Processual Civil, Saraiva, São Paulo 1968, vol I), que a fórmula continha, geralmente, as seguintes partes: a) nominatio judicis, isto é, a nomeação do árbitro ou árbitros, seguindo-se as expressões... judex esto ou recuperatores sunto; b) demonstratio, uma espécie de introdução, onde vinha mencionado o nome da ação; c) intentio, a pretensão do autor, isto é, a relação de direito controvertida (conforme a ação, a intentio se dizia in rem ou in personam; d) condemnatio a ordem dada ao árbitro para condenar ou absolver o réu.
Nas ações divisórias – comnumi dividendo regundorum e familae – a fórmula continua uma parte especial, chamada adjudicatio, na qual o pretor autorizava o árbitro a adjudicar a um dos litigantes, sendo necessário, todo ou parte do imóvel dividendo, demarcando ou partilhando.
No começo da fórmula alguns casos de praecrisptiones eram previstas, com o fim de restringir ou ampliar os efeitos da litiscontestação, em benefício do réu ou do autor (pro reo ou pro actore).
E no que respeita às exceptiones, que antecedia a intentio, consistia em uma ordem do árbitro, com o fito de, depois de sopesar o fundamento da defesa, não condenar o réu, quais sejam: a) exceções dilatórias, que se dava pela alegação de um direito que contrariava o direito do autor, com o fito de, sob o aspecto forma, para lizar a ação; b) exceções peremptórias, que tinha o fim de anular ou perimir o direito do autor.
As fórmulas pretorianas dividiam-se em: a) in jus conceptae - referiam-se a questões que o direito civil expressamente as regulava; b) in factum conceptae - abrangiam os casos que eram admitidos apenas pela eqüidade do pretor, por não serem regidos pelo direito; c) vulgares e non vulgares – as fórmulas vulgares referiam-se a questões comuns, que anteriormente haviam sido debatidas, enquanto que as fórmulas non vulgares destinavam-se a casos novos.
Como já foi dito, o autor devia dirigir-se ao árbitro com a fórmula pretoriana. E para determinados casos funcionava um corpo de jurados, especialmente designados (recuperatores) ou um colégio de juízes permanentes (centumviri, decemviri).
Como ensina Gabriel Rezende Filho, instaurava-se, então, o procedimento in judicio, fazia-se a instrução da causa, produzindo as partes as suas provas, como testemunhas, documentos, confissão e juramento. Seguiam-se as altercationes, isto é, os debates orais pelos cognitores ou procuradores das partes. A sentença era proferida oralmente dentro dos limites da fórmula, e se o caso pertencia a um tribunal a decisão era dada por maioria de votos.
Quanto a recursos, ao tempo do processo formulário, havia: 1) a intercessio, na qual havia a intercessão de uma autoridade igual ou de mais alta categoria contra atos do magistrado – era concedida aos cônsules e, mais tarde, aos tribunos do povo contra atos dos pretores; 2) a revocatio in duplum, que era o recurso concedido ao réu, ao ser iniciada contra ele a execução de sentença por meio da actio judicati, visando atacar o julgado com fundamento de algum vício de forma ou de fundo; 3) a restitutio in integrum, que era medida de equidade concedida pelo pretor nos casos de plus petitio, de esquecimento de inclusão na fórmula de alguma exceção peremptória, que consistia em requerer o interessado a restituição contra qualquer ato processual.
Uma vez acolhido o recurso, a sentença impugnada era tida como inexistente; e, em decorrência disso, um novo processo era aberto, o judicium restitutorum. Mais tarde, ainda ao tempo do Império, apareceu a apelação. Quanto à execução das sentenças, estas não podiam ser ordenadas pelos seus protatores – árbitros ou colégios de juízes – porque não posuíam o imperium, poder reservado aos pretores.


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