– Pedro Luso de Carvalho
PIERO CALAMANDREI nasceu na cidade de Florença, Itália, em 1889 e
faleceu em 1956. Foi professor nas Universidades de Florença, Messina, Modena e
Siena. Foi um dos poucos professores que não integrou o Partido Nacional
Fascista. Em 25 de julho de 1945 foi eleito Reitor da Universidade Florentina.
Foi um expoente da moderna escola de direito processual civil, além de renomado
advogado. Fundou com Chiovenda e Carnelutti a Revista de Direito Processual (Rivista di diritto processuale). Em
1945 fundou a revista político-literária Il
Ponte. Eleito para a Assembleia Constituinte fez parte da comissão
encarregada de redigir o projeto da Constituição Italiana (foi deputado de 1948
a 1953).
De sua obra destacam-se: La
chiamata in garantia (1913) – La
cassazione civile (1920) – Studi sul processo civile (1930 - 57) – Elogio dei giudici scritto da un avvocato
(1935) – Inventario della casa di
campagna (1941) – Stituzione di
diritto processuale civile (1941 - 44) – Scritti e discorsi politici (postumo 1966). Elogio dei giudici scritto da un avvocato foi traduzido para o português
por Ary dos Santos, com o título Eles, os
juízes, visto por nós, os advogados, e publicado pela Editora Livraria
Clássica Editora, Lisboa, Portugal. Dessa obra, escolhemos uma das crônicas que
o compõem, em homenagem aos advogados que já têm prateados os seus cabelos, e
que, mesmo com a larga experiência de tribuna, ao assomá-la ainda sentem a
mesma emoção das suas primeiras defesas.
Segue a crônica de Calamandrei (In Calamandrei,
Piero. Eles, os juízes, vistos por nós,
os advogados. Tradução de Ary dos Santos. Lisboa: Livraria Clássica
Editora, 4ª ed., 1971, p. 178-179:
VI NO PALÁCIO DA JUSTIÇA,
sob a porta de uma sala, um velho advogado que esperava, já de toga vestida, a
sua vez de falar. Encostado com ar cansado à ombreira parecia estar em
contemplação estática, as mãos cruzadas sobre o peito, em gesto de oração,
alheio e penetrado de solidão no meio da turba barulhenta dos colegas.
Observando-o, porém, mais de perto, vi que não estava a rezar, mas sim a medir,
pelas pulsações e com o olhar fixo no relógio, os batimentos do coração.
Um colega indiscreto
tirou-o daquele isolamento, perguntando-lhe com malícia se tinha febre, ao que
o outro respondeu, como se tivesse acordado de um sonho: Dizem os médicos que
os doentes do coração não devem discutir causas....Só nesse momento notei a
palidez violácea da daquela cara e, nas fontes, debaixo de uma pele de cera, o
trajeto marcado das pequenas artérias, nas quais o vulgo julga crer que esteja
escrita a morte imediata. O oficial de diligências fez a chamada para o seu
processo.
Entrou para a sala de
audiências e quando daí a pouco eu lá entrei também, vi com admiração que o
velho advogado, alquebrado e doente, se transformara, da bancada da defesa, num
robusto orador cheio de vida, esbraseado pela discussão e agitando aquele pulso
no qual, instantes antes, expiava o passo da morte em marcha. Agora, que estava
em jogo a vitória do seu cliente, já não lhe vinha a ideia moderar o gesto mais
brusco ou apóstrofe mais violenta, que por si só podia bastar para, na frágil
consistência daquela pequena artéria, abrir o rasgão fatal.
* * *